*Fabio Martins
RESUMO
Os Condomínios Edilícios estão ganhando contornos de empresas diante da complexidade de serviços neles introduzidos e o volume de recursos geridos, reunindo milhares de pessoas.
Ao síndico não cabe a gestão desses Condomínios como se dava outrora, pois as expectativas dos condôminos evoluíram e, por consequência, igualmente, cresceram as cobranças e responsabilidades do gestor.
O Código Civil, por si só, não está apto a reger, isoladamente, a realidade dos Condomínios Clube, cujos regulamentos internos, em regra, se bastam em reproduzir o mínimo contido na lei, razão pela qual se faz necessário aplicar regras de Governança Corporativa para atender as novas demandas e necessidades que surgiram, adaptando-as às novas tecnologias e escassez de tempo.
A adoção de regras de Governança Corporativa, portanto, são ferramentas importantes para atender as expectativas geradas entre Condôminos e Síndico se e quando aplicadas de forma eficaz, derrubando mitos e tornando o ambiente saudável para o convívio da coletividade que integra o Condomínio. Ao síndico é dever buscar esse objetivo por força da parte final do inciso II, do artigo 1336, do Código Civil.
Palavras Chave: Condominio Clube. Síndico. Governança Corporativa. Dever
ABSTRACT
The Edilício condominiums are gaining business contours in the face of the complexity of services introduced in it and the volume of resources managed, bringing together thousands of people.
The liquidator is not responsible for the management of condominiums as it was once, because the expectations of the condoms evolved and, consequently, equally, the demands and responsibilities of the manager grew.
The Civil Code alone is not able to regulate the reality of Club Condominiums, whose internal regulations, as a rule, are enough to reproduce the minimum contained in the law, which is why it is necessary to apply corporate governance rules to meet the new demands and needs that have arisen, adapting them to new technologies and scarcity of time.
The adoption of Corporate Governance rules, therefore, are important tools to meet the expectations generated between condôminos and Liquidator if and when applied effectively, bringing down myths and making the environment healthy for the conviviality of the community that integrates the Condominium. The liquidator must seek this goal by virtue of the final part of item II, article 1336, of the Civil Code
Keywords: Condominium. Management. Corporate Governance. To owe. Tecnology
INTRODUÇÃO
Aos condomínios edilícios são aplicadas regras iminentemente privadas, todas decorrentes do direito de propriedade.
Por se tratar de direito patrimonial, portanto disponível, aos coproprietários integrantes de um condomínio edilício é autorizado dispor a pactuação das regras que regerão sua relação de convivência, inclusive aquelas sobre as quais a administração da propriedade comum ocorrerá.
Em condomínio com poucas unidades e, portanto, em regra, baixa arrecadação, complexidade de serviços e despesas diminutas, geralmente não se encontram grandes problemas em decorrência da administração da propriedade comum.
Porém, há grandes condomínios edilícios nos quais a arrecadação e despesas são maiores que grande parcela das cidades brasileiras, como, da mesma forma, o número de moradores encontra números superlativos. O volume de recurso igualmente supera grande número de empresas privadas.
A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, através de Nota Técnica [1],, publicada em 2008, mostra que a arrecadação própria dos Municípios Brasileiros possui a seguinte realidade: em 43,1 % dos Municípios é inferior a R$ 50 mil reais; em 22,7% é entre 50 mil e 100 mil reais; e, ainda, em 31,9% a arrecadação própria gira em torno 100 a 500 mil reais.
Por seu turno, o IPEA [2] identificou que “O número de empresas no total das atividades investigadas, em 2015, foi 3,3 milhões, sendo que 90,5% estavam incluídas no critério de pessoal ocupado para MPEs[3]”.As Micro e Pequenas empresas são aquelas cuja arrecadação anual seja igual ou inferir a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais).
Por sua vez, quando se fala de Condomínios Edilícios, não há exatidão sobre os números, mas pesquisas e dados fornecidos por administradoras dão conta de que a arrecadação média dos condomínios na cidade de São Paulo giraria entre R$ 300 mil e R$ 500 mil reais, sendo que, nos condomínios clube, a arrecadação chegaria ao patamar de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais) por ano[4].
Comparados os números de arrecadação dos condomínios aos municípios e empresas privadas, se percebe que os valores são significativos. Os desafios, expressivos.
Aos síndicos, portanto, é imposta a responsabilidade de gerir orçamentos reservados à poucos profissionais qualificados, lidando com múltiplos e variados contratos e diversos colaboradores, todos reunidos em Condomínios compostos com centenas, quiçá, milhares de moradores.
A tarefa é árdua e, por isso, se torna imperiosa a atenção às regras de Governança Corporativa com o propósito de dar conta dos seus atos de gestão e dos recursos da receita do condomínio, as quais não se limitam ao disposto nas Convenções e Regulamentos Internos, muitas vezes silentes. E isso consistiria obrigação, na forma da parte final do inciso II, do artigo 1348, do Código Civil.
A comunicação dos parâmetros que norteiam a sindicatura e a tomada de decisões, inclusive na solução dos conflitos envolvendo o Condomínio, seja com terceiros, seja com os seus próprios condôminos, ou mesmo os conflitos entre esses, quando realizada de modo eficaz, traduz valorização do patrimônio comum e o melhor ambiente de convivência.
O uso das ferramentas decorrentes da evolução tecnológica é necessário e deve ser estimulado, pois aproxima o Condômino da tomada de decisões, com a prestação de contas paulatina e acessível aqueles não afetos às planilhas contábeis complexas e inerentes aos Condomínios Clube.
Novos tempos, novos desenhos dos Condomínios Edilícios, novas desafios a serem enfrentados e vencidos por aqueles que se devotam ao exercício da sindicatura e cujas linhas vindouras ambicionam abordar.
2.GOVERNANÇA CORPORATIVA[5]
Ao analisar a evolução da propriedade no Brasil, Gustavo Fonseca Moraes[6] trouxe lições de Pietro Perlingieri as quais sustentam a aplicação das regras de governança corporativa aos Condomínios Edilícios, posto corresponderem desdobramento ao direito constitucional de propriedade, in verbis:
Para Pietro Perlingieri os institutos jurídicos apresentam dois aspectos distintos, o estrutural e o funcional. Estrutura e função “respondem a duas indagações que se põe em torno do fato. O ‘como é?’ evidencia a estrutura, o ‘para que serve?’ evidencia a função. O primeiro aspecto identiflca a estruturação de poderes conferida ao titular de situações jurídicas subjetivas, enquanto o segundo aspecto reflete a flnalidade prático-social a que se destina.
E com base nas lições do mestre italiano se constata que Governança Corporativa são deveres de conduta que servem para regular a forma como se inter-relacionam diversos personagens, com interesses convergentes ou não, que integram determinada corporação.
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa define Governança Corporativa como “o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas[7]”, implicando, quando eficazmente adotadas, num “clima de confiança tanto internamente quanto nas relações com terceiros”[8].
Entre os múltiplos conceitos atribuídos à expressão, em comum há o padrão de comportamento voltado a eticidade na gestão dos negócios o que levaria ao caminho da eficiência.
Dissecando o conceito para adequá-lo ao Condomínio Edilício, é nítido que os sócios equivalem aos coproprietários das unidades que compõem o todo e, efetivamente, os grandes interessados pela escorreita gestão dos recursos materiais e humanos que traduzirão a valorização do seu patrimônio e, também, no ambiente harmônico para a convivência. A eticidade, seja na relação interpessoal entre síndico x condôminos ou síndico x prestadores de serviço, é o que se espera do síndico e eterna fonte de críticas e desconfianças, as quais são nefastas ao condomínio.
Aos demais órgãos, há correlação, nos condomínios edilícios, nos Conselhos Consultivos e Fiscais, sem prejuízo de eventuais comissões temáticas criadas para determinado fim.
O Condomínio Edilício, especialmente os denominados Condomínio Clube, se relacionam com diversos prestadores de serviço, colaborares e funcionários, firmando diversos contratos os quais merecem atenção desde as tratativas à fase pós-contratual, sendo essas terceiras pessoas interessadas no cumprimento das obrigações assumidas pelo Condomínio da forma que, mutatis mutantis, toda coletividade possui interesse de ver cumpridas todas as obrigações às quais essas pessoas, físicas ou jurídicas, se obrigaram, com garantia de qualidade e no menor preço.
E todos esses “organismos” – condôminos, órgãos consultivos e de fiscalização, comissões, prestadores de serviço e colaboradores/empregados – se inter-relacionam, nem sempre de forma livre de tensões, razão pela qual adotar regras de Governança Corporativa aos Condomínios Edilícios pode ser um fator de diminuição de atritos, traduzindo ganhos não somente à coletividade de coproprietários, mas a todos que a circundam.
Essas regras extrapolam a básico a ser observado pelo síndico, materializado no artigo 1348, do Código Civil, e regulamentações internos (Convenção e Regulamento Interno), mas não são vedados, pois atendem o interesse da coletividade de coproprietários.
Mais uma vez se valendo da lição do mestre italiano Perlingieri, cumpre mencionar que
As situações subjetivas podem ser consideradas ainda sob dois aspectos: aquele funcional e aquele normativo ou regulamentar. O primeiro é particularmente importante para a individuação da relevância, para a qualificação da situação, isto é, para a individuação da relevância, para a qualificação da situação, isto é, para a determinação de sua função no âmbito das relações sócio-jurídicas. (…) No ordenamento, o interesse é tutelado enquanto atende não somente o interesse do titular, mas também àquele da coletividade[9]
Ao síndico, portanto, está autorizado adotar procedimentos para introdução e aplicação das regras de governança corporativa para a administração do Condomínio Edilício, restando a dúvida sobre se isso encetaria poder dever, à medida que cabe ao síndico praticar, “em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns”, consoante parte final, do inciso II, do artigo 1.348 do Código Civil.
A gestão eficiente é o objetivo a ser buscado pelo síndico, sendo os caminhos para tanto serem calçados em materiais diversos daqueles que pavimentaram outrora a gestão condominial, não porque equivocadas, mas porque, especialmente quando aplicadas aos novos modelos de condomínio clube, são incompatíveis com as necessidades que se apresentam numa operação complexa e na qual há números superlativos, sejam eles de pessoas ou de valores envolvidos.
“Os resultados das empresas que agregam ética e compliance nas suas rotinas são notórios, com ganhos em competitividade, estrutura enxuta, mais agilidade e eficiência”.[10], destacou o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins ao longo do painel ‘Como a Ética torna uma empresa mais eficiente’, durante o Congresso Nacional de Engenharia, Construção, Tecnologia e Inovação, realizado em 22 de novembro de 2019, na cidade de Maringá/PR.
Não se pode olvidar que a gestão de riscos integra a governança corporativa e, dessa forma a Deloitte Touche Tohmatsu Limited, uma das maiores empresas de auditoria do mundo, realizou, no ano de 2017, estudo denominado os 5 Pilares dos Riscos Empresariais, do qual se extrai trecho no qual Luiz Machado, diretor de Compliance, Riscos e Auditoria Interna da CTG Brasil, afirma[11]:
“Hoje, a sustentabilidade do negócio passa pelo gerenciamento de riscos. A empresa que não tiver isso não consegue crescer de modo sustentável, não consegue atingir seu objetivo, que é crescer e dar respostas para a comunidade como um todo. O empresário vai ter de fazer negócios de uma forma diferente. Ele vai ter de implementar controles e programas de compliance efetivos, e não somente programas que são formatados ou de prateleira. Até mesmo por conta das consequências criminais, os executivos estão sendo formalmente condenados, incriminados e indiciados em função de todas essas questões de corrupção. Isso já tem acontecido. Não só por força dos acordos de leniência, mas pela própria questão de não quererem que isso se repita no futuro, as empresas estão realmente mudando a forma de fazer programas de compliance.
Portanto, da forma como toda a sociedade se adequa ao novo cenário, o condomínio edilício igualmente deverá fazê-lo, pois o condomínio clube integra a nova realidade social.
3– OBJETIVOS DAS PRÁTICAS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA E SUA APLICAÇÃO AOS CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS
O Código Civil estabelece, no artigo 1.348[12], deveres ao síndico. A transparência dos atos está prevista nos incisos III, VI e VIII, respectivamente.
Mas somente essas informações não se coadunam com as legítimas expectativas dos condôminos e moradores de um Condomínio com estrutura superlativa e, na maioria das vezes, distantes de reuniões assembleiares, especialmente nos Condomínios com muitas unidades e cujos orçamentos sobrepujam o de muitos municípios e empresas privadas.
Não se está aqui sendo condescendente com o condômino que se omite da participação das decisões do Condomínio por motivos subjetivos e muitas vezes ligados à sensação de que não poderá nada fazer para impor sua vontade, de que não entende sobre os temas debatidos, e uma inflnidade de outros fatores[13], mas, em sentido contrário, advogando no sentido de que disponibilizar maiores informações, acessíveis de modo simpliflcado, e integrar o condômino nos processos decisórios traduz efeito de aumentar a participação dos coproprietários[14].
Portanto, transparência sobre os assuntos do dia a dia do Condomínio é dever ínsito ao síndico e que não deve ser restrito às hipóteses contempladas no Código Civil ou nos regulamentos do Condomínio. O síndico deve não somente autorizar o acesso dos condôminos e moradores aos relatórios flnanceiros e processos decisórios, mas criar instrumentos de estímulo à coletividade para que integrem e entendam tudo o que impacta sua propriedade e sua qualidade de vida.
Esse dever de informação clara e eflcaz não deve se limitar, frise-se, a questões econômico-flnanceiro, mas as razões de tomada de decisão sobre tudo o que impacta o dia a dia do Condomínio, especialmente critérios de escolha e decisão, o que permitirá ser aferida a equidade, especialmente na solução dos conflitos entre condôminos e entre esses e o próprio Condomínio.
A demonstração clara de critérios e sua aplicação de forma ampla, justa e transparente é capaz de sanar um sem número de reclamações de Condôminos e moradores permeadas no senso comum: aos amigos do síndico, há permissividade, ou, menor rigor mais afrouxado, ao passo que isso não se aplica aos desafetos ou aos seus opositores. Ainda há o plus de ser dada a diretriz gerencial adotada para a implementação das propostas e projetos que implicaram na escolha do síndico, seja ele proflssional ou não e, com isso, permitir a flscalização e acompanhamento daquilo escolhido para a preservação e valorização do Condomínio, na forma do orçamento aprovado pela assembleia.
O gasto orçamentário realizado com a participação da coletividade sobre o momento adequado para implementá-lo possui maior legitimidade, pois a complexidade de serviços e relações traduz dinamismo e constante adequação do orçamento projetado.
Outra assertiva que é ouvida com frequência por quem vivência o dia a dia dos Condomínios Edilícios é a de que “o síndico rouba”. Mesmo que sejam identiflcados casos nos quais o síndico não versou bem os valores do Condomínio, isso não faz da exceção à regra.
E, também nesse aspecto, as regras de Governança Corporativa socorrem os gestores sérios, pois transparência e prestação de contas ao longo de todo o mandato do síndico permitirão aos condôminos entender a forma como se deu a realização do orçamento e todos os contratos flrmados.
Some-se a isso a tão perseguida eticidade das relações, a qual implementada de modo eflcaz permitirá aos condôminos a possibilidade de flscalização dos processos administrativos para realização de qualquer contratação ou pagamento.
Especialmente em grandes condomínios, com orçamentos complexos e grandes fluxos de caixa, a prestação de contas deve ser realizada ao longo do gestão e as informações devem ser acessíveis aos condôminos como um todo e não somente aos que compõe Conselhos Fiscais ou órgão similar responsável pela análise e parecer flnal para análise da Assembleia Geral, na forma do artigo 1348, VIII, do Código Civil. Contar com auditorias externas e independentes igualmente é fator importante e de auxílio à transparência e eflciência dos gastos orçamentários.
Não raro, nos grandes condomínios e condomínios clube, a assembleias não consegue deliberar sobre as contas de todo período de gestão do síndico pois, diante do elevado volume de documentos, é impossível ao Conselho Fiscal, ou similar, analisar toda documentação, mesmo com auxílio de auditoria externa.
E daí mais uma vez se questiona a razão pela qual não se autoriza aos condôminos agirem de modo colaborativo com o Órgão Fiscalizador, pois a todos, e não menos que todos, deve ser disponibilizada a documentação do Condomínio e a possibilidade de acompanhar a execução do orçamento aprovado. Nessa hipótese o Órgão de Controle (Conselho Fiscal ou similar) será o catalizador da atuação colaborativa em defesa do Condomínio.
A possibilidade de participação dos condôminos no dia a dia do Condomínio traz outro aspecto importante que poderá atrair a participação nas assembleias, que é a sensação de pertencimento ao grupo e se sentir importante nesse cenário.
De mais a mais, ao síndico é ínsita a preservação do patrimônio dos condôminos, razão pela qual deve ter estratégias claras de prevenção de riscos, sendo que a avaliação dessas ameaças não pode ser restrita aos que integram os cargos de gestão, mas autorizada aos condôminos e empresas externas e independentes contratadas para auxiliar o complexo condomínio clube a alcançar seus objetivos de excelência.
Antecipar os riscos incidentes sobre o condomínio, sejam eles quais forem é tão importante quanto gastar de forma ordenada o orçamento arrecadado, pois evitando-se o dano, evita-se o gasto.
Ao síndico caberá o novo desafio, salutar desafio, de filtrar as aspirações dos condôminos, adequando-as à responsabilidade corporativa, definida como o dever de “zelar pela viabilidade econômico-financeira das organizações, reduzir as externalidades negativas de seus negócios e suas operações e aumentar as positivas, levando em consideração, no seu modelo de negócios, os diversos capitais (financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social, ambiental, reputacional, etc.) no curto, médio e longo prazos”[15].
4 – DEVER DO SÍNDICO
Compete ao síndico a adoção de atos em defesa do interesse comum. Trata-se de cláusula geral cujos efeitos devem ser preenchidos pelo síndico, a quem cabe identificar o que seria o interesse comum.
E, nesse diapasão, mais uma vez se mostra sublime a adoção das práticas de governança corporativa em sede dos condomínios edilícios, pois ao agir de modo transparente e autorizar e estimular que os condôminos, moradores ou não, sejam integrados às práticas decisórias, não somente entendendo a forma como se dão, mas, também, podendo influir sobre as mesmas, o síndico permitirá a ciência de toda coletividade integrante do condomínio edilício sobre o interesse comum que norteia suas ações.
Igualmente se entende por interesse da coletividade que o Condomínio seja regido por regras administrativas que visem sua valorização e eficiência, com respeito às pessoas, às leis e ao meio ambiente.
Portanto, longe de ser uma iniciativa a ser adotada pelo síndico consciente, a adoção de boas práticas de governança constitui um dever, que lhe é ínsito conforme hermenêutica do artigo 1348, do Código Civil, cujas menções expressas constituem parcela mínima a ser observada pelo gestor, como, da mesma forma, se dá com os regulamentos internos do Condomínio (Convenção e Regulamento Interno).
As ferramentas para a integração administração x condôminos e moradores já existem e muitas das quais são subutilizadas por falta de informações ou resistência das pessoas em alterar os processos tradicionais. O estímulo à participação do condômino deve ser verdadeiro, tornando o diálogo dialético.
Os Condomínios Clube dispõem de administradores e sites próprios, para os quais os documentos relativos ao dia a dia do condomínio, especialmente contratos, pagamentos e indicativo de receita e saldos, podem – e devem – ser acessados pelos condôminos e moradores, através de senha de acesso pessoal.
Mas não devem se limitar a simples acesso, pois devem ser estimuladas práticas colaborativas visando auxiliar o gestor na otimização dos gastos, autorizado ao Condômino, igualmente apontar ao Conselho Fiscal ou qualquer outro órgão de fiscalização ponto sobre o qual recaia necessidade de esclarecimento ou correção de rumos.
Conflitos envolvendo o Condomínio, seja com fornecedores, seja com condôminos, ou entre condôminos, igualmente podem e devem ser objeto de ponderação da coletividade quando envolverem questão geral, obviamente com a proteção à intimidade especialmente dos condôminos, cabendo ao síndico a mediação das posições com base em sua expertise especialmente sobre o teor das regras de convivência (Convenção e Regulamento Interno).
A tendência é que brevemente até mesmo as assembleias gerais sejam realizadas de modo virtual, através de ferramentas que autorizem a identificação do representante da unidade e sua participação em eventuais debates prévios às votações ou, consoante a hipótese, somente vote, mesmo que distante fisicamente.
Então por que não utilizar redes sociais e sites para integrar a coletividade? Inexiste razões para não fazê-lo, salvo resistência à mudanças. Informações colhidas pelo site especializado sindiconet.com dão conta de que, no ano de 2015, 22% dos síndicos usavam plataformas eletrônicas para comunicarem-se com condôminos e moradores, o que implicava aumento de mais de 300% diante da pesquisa que o mesmo site realizara em 2013[16].
Não se pode tender à inocência e ignorar a força conferida pela detenção do monopólio da informação a qual estaria restrita às mãos do síndico. Isso poderia implicar desequilíbrio no processo democrático interno.
Contudo, nessa hipótese, estaríamos diante do desrespeito às regras de boa prática defendidas pela governança corporativa, especialmente diante da negação do tratamento equitativo que deve ser conferido aos condôminos, sejam eles alinhados aos pensamentos do síndico ou contrários.
Eventuais abusos podem ocorrer com ou sem a utilização dos meios tecnológicos, pois é comum aos que vivenciam os embates nos condomínios edilícios, especialmente os com muitas unidades tal qual os condomínios clube, sobre a utilização do número excessivo de procurações e as verdadeiras batalhas para consegui-las.
Mas, num cenário idealizado tal qual traçamos nas presentes linhas, os avanços e benefícios alcançados com a adoção de práticas de governança corporativa nos condomínios edilícios, sob o suporte das novas tecnologias, sobrepujarão em muito qualquer deslize eventual e cuja correção se dará com o reforço dos ideais de transparência e tratamento equitativo.
A transparência e a participação do condômino na eleição de prioridades implicam o aumento da legitimidade do gasto, sem prejuízo de, em decorrência do aprimoramento das práticas de gestão, ser alcançada melhora na produtividade, ou seja, o fazer mais com o mesmo valor ou menos.
Ao condomínio não cabe o lucro, posto a quota condominial corresponder ao rateio das despesas correntes e flxadas em orçamento aprovado por assembleia geral. Dessa forma, sendo o síndico capaz de aprimorar a qualidade do gasto, lhe será possível transferir aos condôminos os resultados de sua gestão eflciente, impedindo o aumento das quotas condominiais em decorrência do aumento dos preços vinculados ou um menor percentual de incidência do reajuste, tudo isso sem qualquer prejuízo à qualidade de vida no condomínio ou risco à perda ao valor da propriedade.
Benefício complementar à aplicação de regras gerenciais de governança aos condomínios é a diminuição da inadimplência, seja pelos reflexos quanto à legitimidade do gasto, seja pelos reflexos que a qualidade desse gasto traduz à flxação do valor da quota condominial.
Por todas as facetas sobre as quais se esquadrinhe a questão há benefícios aos condôminos se lhes forem emprestadas regras de governança empresarial na gestão dos condomínios edilícios. Aos síndicos é ínsito o poder dever de aplicação das regras em governança em benefício do próprio mandato, do Condomínio e, por consequência, de todos os condôminos e moradores que integram a coletividade beneflciada.
A mudança de cultura na administração condominial se mostra necessária à realidade que se apresenta. Portanto, ao síndico é dever gerir o condomínio em formato proflssional, com a adoção de regras claras de integração e respeito às pessoas e ao meio ambiente, com transparência na gestão, inclusive com o estabelecimento de regras de compliance, com comunicação eflciente, seja para dar conta dos problemas, caminhos e soluções pensadas, seja para integrar o condômino na pavimentação desse trajeto entre a causa e o efeito, implicando mais legitimidade para o gasto orçamentário, tudo isso voltado para resultados de eflciência que permitam baixar a quota condominial e diminuir a inadimplência.
Os resultados são tangíveis. Os caminhos, factíveis. 5- CONCLUSÃO
As novas estruturações imobiliárias decorrente da vida moderna traduzem complexos condomínios nos quais a prestação de serviços os mais variados integram o projeto. Como forma de diminuição dos custos desses múltiplos serviços nos denominados Condomínios Clube, esses são compostos de unidades que sobrepujam a centenas e que implicam na convivência de mais de mil pessoas num único condomínio.
Os orçamentos desses condomínios clube são maiores do que muitas cidades brasileiras e quase a totalidade das empresas instaladas no país, razão pela qual o exercício da atividade da sindicatura impõe desaflos que outrora inexistiam.
Ser síndico de condomínios clube requer qualiflcação e dedicação, não bastando a boa vontade como requisito;
O código civil não previu essa complexidade a qual seriam submetidos os síndicos e, igualmente, os que vivenciam o dia a dia condominial percebem que os regramentos flrmados pelos coproprietários não atacam pontos importantes sobre o convívio entre administração e condôminos.
E por isso se deve fazer esforço hermenêutico para que as boas regras de Governança Corporativa sejam aplicadas no dia a dia do condomínio edilício, especialmente o condomínio clube. Para implementação dessas regras de governança devem ser usadas as ferramentas tecnológicas disponíveis, sempre olhando para frente com absorção de tudo o que for útil à integração Condômino x Administração.
A adoção das práticas de governança corporativa é poder dever do síndico, especialmente o síndico dos condomínios clube, estando prevista na parte flnal do inciso I, do artigo 1348 do Código Civil. Portanto, ao síndico não há opções e, diante da complexidade do desaflo, pode e deve se valer de apoio especializado para tanto, o que se reputa salutar para toda a coletividade com vistas a valorização do patrimônio comum a todos e a integração dos condôminos e moradores nos processos decisórios para a coletividade, o que implicará na sensação de pertencimento e, por conseguinte, tornará o convívio mais próximo e mais feliz.
Não se mostra incompatível emprestar regras da atividade empresarial para a gestão dos condomínios edilícios, pois o que traduz lucro para as empresas privadas implica diminuição de quota condominial a ser paga pelos condôminos, com o aumento da legitimidade do gasto, vez que transparente, quiçá participativo. Essa integração entre o condômino e processo decisório, inclusive quanto a prevenção de riscos, objetivos da administração e destinação conferida pelo síndico ao produto da arrecadação das quotas condominiais, com regras claras de respeito às normas
legais e de relacionamento interpessoal, ou interempresarial, é de vital importância para a compreensão da complexidade que é exercer a sindicatura num grande condomínio, especialmente os condomínios clube.
Novos formatos de condomínio edilício, complexos e repletos de serviços, com valores arrecadados que superam os valores angariados por mais da metade dos municípios e das empresas privadas, não podem ser administrados de forma dissociada das regras de governança corporativa aplicadas às empresas privadas, especialmente as grandes empresas cujos resultados positivos são impulsionados pelo compromisso com a eticidade em prol dos resultados. Lá os resultados se transmudam em dividendos aos acionistas, nos Condomínios Edilícios os resultados se transformam em benefícios aos condôminos e moradores, com diminuição da quota condominial e melhora no ambiente condominial e na qualidade dos serviços que o integram.
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- Disponível em https://www.ibgc.org.br/conhecimento/governanca-corporativa acesso em: 11.2019
- idem
- PERLINGIERI, Perfls do Direito Civil. Introdução ao Direito Civil Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.106/107, apud MORAES, GUSTAVO FONSECA. Revista Ibradim de Direito Imobiliário. V.1 (nov.2018) – São Paulo: Ibradim, 2018, fls.131.
- < https://cbic.org.br/cientista-e-juiz-mostram-como-etica-torna-as-empresas-mais-eflcientes/ > acesso em 11.2019
- <https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/br/Documents/risk/Os-Cinco-Pilares-dos-Riscos-Empresariais-Deloitte.pdf> acesso em 11.2019
- 1.348. Compete ao síndico:
- – convocar a assembleia dos condôminos;
- – representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns;
- – dar imediato conhecimento à assembleia da existência de procedimento judicial ou administrativo, de interesse do condomínio;
- – cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia;
- – diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores;
- – elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano;
- – cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas;
- – prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas;
- – realizar o seguro da ediflcação.
- oPoderá a assembleia investir outra pessoa, em lugar do síndico, em poderes de representação.
- oO síndico pode transferir a outrem, total ou parcialmente, os poderes de representação ou as funções administrativas, mediante aprovação da assembleia, salvo disposição em contrário da convenção.
- Anthony Giddens (in As Consequências da modernidade/Anthony Giddens; tradução Raul Fiker – São Paulo: Editora Unesp, 1991 – (Biblioteca básica), discorre sobre as mudanças na sociedade moderna, classiflcando os sistemas em abstratos ou “A natureza das instituições modernas está profundamente ligada ao mecanismo de conflança em sistemas abstratos, especialmente conflança em sistemas peritos”. fl. 96. Esse entendimento pode auxiliar nas razões pelas quais os coproprietários se omitem do exercício de seu direito de opinar sobre os destinos do condomínio que compõem, seja de forma ampla, seja após a realização de assembleia de escolha do síndico: “a conflança em sistemas assume a forma de compromisso sem rosto, nos quais é mantida a fé no funcionamento do conhecimento em relação ao qual a pessoa leiga é amplamente ignorante”, ao passo que “a conflança em pessoas envolve compromissos com rosto, nos quais são solicitados indicadores da integridade de outros (no interior de arenas de ação dadas)”fl. 100
- Neste aspecto cabe um parêntese, pois mesmo é lugar comum à reclamação da ausência dos condôminos nas assembleias e nas questões do dia a dia do Condomínio. Mas até qual ponto estariam os síndicos dispostos a dialogar não com uma pequena parcela de moradores, mas com uma grande parcela, especialmente nos Condomínios Clube
- Disponível em https://www.ibgc.org.br/conhecimento/governanca-corporativa acesso em: 11.2019
- Disponível em https://www.sindiconet.com.br/informese/dados-e-numeros-do-mercado-de-condominios-no-brasil-administracao-atribuicoes-do- sindico . Acesso em 25.11.2019