A consolidação da propriedade fiduciária e seus efeitos ao condomínio edilício

Fabio Martins Affonso1
Fabiano Gosi de Aquino2

 Resumo

 O financiamento imobiliário ganhou novo folego após a Lei 9514/97. Ampliação da base de captação de recursos e agilidade na satisfação das garantias baratearam os financiamentos imobiliários. Pode-se afirmar que o sistema do Financiamento Imobiliário com Pacto Adjeto de Alienação Fiduciária traduz vantagens à toda sociedade e, portanto, deve ser preservado e protegido posto correlato aos interesses sociais.

Proteção ao sistema, contudo, não implica sonegar a necessidade de se conferir interpretação consoante à Constituição Federal e Institutos Jurídicos presentes no ordenamento desde o Direito Romano.

A leitura dos artigos 27, §8, da Lei 9514/97 e artigo 1368-B, do Código Civil, portanto, devem ter hermenêutica sob a luz da proteção da confiança quando se está diante de obrigação propter rem originada por imóvel integrante de condomínio edilício, sedimentando-se entendimentos do STJ sobre o tema.

A proteção ao sistema da alienação fiduciária de bens imóveis (o macrossistema) impõe participação efetiva daqueles que possuem interesse jurídico nos leilões extrajudiciais e não pode se dar com sacrifício dos condomínios edilícios (o microssistema), o que se dá quando se confere leitura açodada do artigo 27,§8, da Lei 9.514/97 e 2368-B, do CC sem o diálogo com a segurança jurídica.

O artigo propõe o diálogo entre a legislação ordinária sob a influência da constituição federal e orientações do STJ sobre a obrigação propter rem, enfrentando, também, os desafios processuais que representam obstáculos à satisfação da dívida condominial, apontando alternativas num cenário de lege ferenda.

Palavras-chave: alienação fiduciária. condomínio edilício. princípio da confiança.

Abstract

 Real estate financing gained new folego after Law 9514/97. Expansion of the fundraising base and agility in the satisfaction of guarantees cheapened real estate financing. It can be affirmed that the system of Real Estate Financing with Adjeto Fiduciary Divestment Pact translates advantages to the whole society and, therefore, must be preserved and protected as a position related to social interests.

Protection of the system, however, does not imply adout of the need to confer interpretation according to the Federal Constitution and Legal Institutes present in the order since Roman law.

1 Pós Graduado em processo civil pela Universidade Federal de Vitória. Advogado com atuação em direito imobiliário. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Civil

2 Doutor em ciências jurídicas e sociais pela Universidade Federal Fluminense. Professor adjunto de Direito Processual Civil na Universidade Federal Fluminense e na Universidade Estácio de Sá. Advogado.

The reading of articles 27, §8, of Law 9514/97 and Article 1368-B, of the Civil Code, therefore, must have hermeneutics under the light of the protection of trust when it is faced with an obligation to propose originated by a property that is part of a condominium, establishing understandings of the STJ on the subject.

The protection of the system of fiduciary disposal of immovable property (the macrosystem) imposes effective participation of those who have a legal interest in extrajudicial auctions and cannot be made with sacrifice of building condominiums (the microsystem), which occurs when a steely reading of Article 27,§8, law 9.514/97 and 2368-B of the CC without dialogue with legal certainty.

The article proposes the dialogue between ordinary legislation under the influence of the federal constitution and guidelines of the Supreme Court on the obligation to propose rem, also facing procedural challenges that represent obstacles to the satisfaction of condominium debt, pointing alternatives in a scenario of hurt lege.

Keywords: fiduciary alienation. building condominium. principle of trust.

Sumário
  • Introdução; 2 A consolidação da propriedade na Lei 9514/97 e a dívida da quota condominial;

2.1 -Das consequências do leilão frustrado; 3- Princípio da proteção da confiança sobre o rateio de despesas no condomínio edilício; 4 – Posição do Superior Tribunal de Justiça; 5 – Aspectos processuais da demanda executiva; 5 – Aspectos processuais da demanda executiva; 6- conclusão

  • Introdução

O condomínio edilício é campo fértil às polêmicas as quais se proliferam diante da maior complexidade desses empreendimentos3.

O alto custo dos espaços urbanos e sua escassez, aliados ao déficit habitacional, são fatores de propulsão à construção de empreendimentos sob a égide do condomínio edilício, pois se faz possível minimizar o custo de construção das novas unidades.

O mercado imobiliário, por sua vez, experimentou fôlego no financiamento com o advento da Lei 9.514/97, que instituiu a possibilidade de aplicação do pacto adjeto de alienação fiduciária aos contratos imobiliários e a securitização dos valores destinados ao financiamento de novas unidades com a emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários.

3 SILVEIRA, Renato Marcuci Barbosa da Silveira. A SITUAÇÃO JURÍDICA PROPRIETÁRIA NO ÂMBITO DEMOCRÁTICO DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO: uma análise no contexto do Estado Democrático de Direito. 2010. 218f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica – MG enfrentou a evolução história da legislação tratando do tema Condomínio Edilício no capítulo 2.2.1.1 (fls. 33 a 42)

Enfim, ao mercado de capitais foi autorizado financiar o mercado imobiliário com a segurança da célere satisfação das garantias fornecidas quando vislumbrado o inadimplemento das prestações devidas aos credores e, com isso, não prejudicar o fluxo de pagamentos vital para a manutenção do sistema de financiamento imobiliário sem a interferência do Poder Judiciário.

Portanto, a relação entre credor fiduciário e devedor fiduciante é estabelecida com base em regras e direitos claros, com vantagens para todo o sistema de financiamento imobiliário.

Porém, as consequências decorrentes da não realização do idealizado merecem análise, especialmente quando é sonegada a legítima confiança dos integrantes do condomínio edilício sem qualquer justificativa para proteção do sistema de financiamento imobiliário.

É fundamental compreender alguns problemas que emergem dessa relação, sobretudo quando considerado o aspecto da consolidação da propriedade pelo credor fiduciário e seus efeitos como a responsabilidade pelo pagamento das eventuais cotas condominiais em atraso por parte do devedor fiduciante. O tema mostra-se complexo em razão da natureza propter rem da obrigação condominial e interpretação dada por alguns Tribunais no sentido de excluir o credor fiduciário pelo adimplemento da dívida.

É nesse sentido que o presente artigo se propõe, igualmente, a analisar os aspectos dessas decisões para os personagens envolvidos num processo executivo em trâmite, especialmente as repercussões para os condomínios que encontram, na contribuição dos condôminos, o meio para arcar com o custeio das suas despesas.

E no contexto dos reflexos aos condomínios edilícios nos bastaremos.

2-  A consolidação da propriedade na Lei 9514/97 e a dívida da quota condominial

 O déficit habitacional e as políticas públicas voltadas para superar esse obstáculo esbarravam no gargalo da obtenção do crédito, pois se aduzia dificuldades para a garantia dos valores disponibilizados pelas instituições financeiras em caso de inadimplemento.

Como forma de se conferir musculatura ao Sistema Financeira de Habitação foi inserida nova forma de garantia para os financiamentos de imóveis, somando-se às outrora utilizadas e que, com o advento da novel legislação, perderam espaço.

A alienação fiduciária em garantia dos financiamentos imobiliários desde seu advento é a forma identificada por usual no mercado imobiliário e a forma célere como se dá a

recuperação do crédito inadimplido pelo credor fiduciante, sem judicialização, é motivo para tanto:

“a preferência pela adoção de tal instituto nos negócios jurídicos praticados no mercado imobiliário deve-se a singular efetividade na recuperação do capital financiado, sobretudo em caso de falência ou insolvência do devedor, seja pela eficácia funcional, seja pela sua classificação sobre os demais créditos concursais4.

O aspecto econômico que decorre da sistemática da Lei 9.514/97 é o barateamento do financiamento imobiliário, pois os recebíveis podem ser negociados no mercado financeiro através de títulos de crédito. A chamada securitização do crédito.

‘fato é que, com o advento da Lei 9.514/1997, a alienação fiduciária tornou-se a modalidade de garantia real preferida pelas instituições financeiras nos negócios jurídicos imobiliários, servindo para fomentar o crescimento econômico nacional, seja mediante a rápida recuperação de crédito, seja pela circulação de ativos mobiliários emitidos com lastro em créditos imobiliários”5

Portanto, a agilidade na recuperação do crédito inadimplido se mostra necessária para a manutenção de todo o sistema de financiamento imobiliário por garantir a regularidade no fluxo financeiro, inexistindo, atualmente, quaisquer questionamentos sobre e constitucionalidade do procedimento extrajudicial.

Inadimplido o crédito garantido fiduciariamente, cabe ao credor fiduciário consolidar-se na propriedade plena do imóvel, desde que observados os procedimentos para tanto, todos previstos no artigo 26, da Lei 9.514/976 entre os quais se encontra a constituição em mora a cargo do oficial do Registro de Imóveis.

4 POLILLO, Renato Romero. Alienação Fiduciária de Bens Imóveis. 2013. 170f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2013.

5 Op cit. P. 2

6 Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

  • 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.
  • 2º O contrato definirá o prazo de carência após o qual será expedida a intimação.
  • 3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê- la, ou pelo correio, com aviso de recebimento.
  • 3o-A. Quando, por duas vezes, o oficial de registro de imóveis ou de registro de títulos e documentos ou o serventuário por eles credenciado houver procurado o intimando em seu domicílio ou residência sem o encontrar, deverá, havendo suspeita motivada de ocultação, intimar qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, retornará ao imóvel, a fim de efetuar a intimação, na hora que

O credor fiduciário, consolidada a propriedade, “promoverá público leilão”7 do imóvel em até 30 dias, posto o objetivo ser a satisfação da dívida e o fortalecimento de todo sistema financeiro imobiliário, com garantia de fluxo contínuo de recursos dos agentes.

Ao proprietário, que se valeu do procedimento extrajudicial para fazer valer sua posição contratual, cumpre, portanto, observar que i) no primeiro leilão, realizado em até 30 dias da consolidação da propriedade, a arrematação se dará com o valor de avaliação do bem (art. 27, §1º), fixado no contrato de financiamento com garantia fiduciária e, não sendo exitosa, um segundo leilão será realizado em até 15 dias da data do primeiro (art.27, §1º); ii) a arrematação, no segundo leilão, se dará com o maior lance, desde que o valor seja suficiente ao pagamento da dívida com a instituição financeira, com acréscimo, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais (art. 27,

  • 2). A definição de despesas consta do parágrafo 3º, do artigo 278.

No cenário de arrematação, aos condomínios edilícios não cabem preocupações, pois a satisfação das dívidas condominiais está assegurada quando da arrematação do bem, sendo certo que tanto o artigo 27, §8, da Lei 9514/97, quanto o artigo 1.368-B, do Código Civil estipulam objetivamente o corte entre o período em que o devedor fiduciante é responsável pelo pagamento das dívidas e despesas com a coisa e a partir de quando esse se transfere ao credor

designar, aplicando-se subsidiariamente o disposto nos arts. 252, 253 e 254 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

  • 3o-B. Nos condomínios edilícios ou outras espécies de conjuntos imobiliários com controle de acesso, a intimação de que trata o § 3o-A poderá ser feita ao funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)
  • 4o Quando o fiduciante, ou seu cessionário, ou seu representante legal ou procurador encontrar-se em local ignorado, incerto ou inacessível, o fato será certificado pelo serventuário encarregado da diligência e informado ao oficial de Registro de Imóveis, que, à vista da certidão, promoverá a intimação por edital publicado durante 3 (três) dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária, contado o prazo para purgação da mora da data da última publicação do edital. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)
  • 5º Purgada a mora no Registro de Imóveis, convalescerá o contrato de alienação fiduciária.
  • 6º O oficial do Registro de Imóveis, nos três dias seguintes à purgação da mora, entregará ao fiduciário as importâncias recebidas, deduzidas as despesas de cobrança e de intimação.
  • 7o Decorrido o prazo de que trata o § 1o sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio.(Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)
  • 8o O fiduciante pode, com a anuência do fiduciário, dar seu direito eventual ao imóvel em pagamento da dívida, dispensados os procedimentos previstos no art. 27.

7 Artigo 27, da Lei 9514/97.

8 Registre-se que ao devedor fiduciante é assegurado o “direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas”, acrescido daquilo que tiver incidido para consolidação da propriedade pelo credor fiduciário, inclusive os encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel (art.27, §2º B)

fiduciário, importante para a aferição do saldo que sobejar o valor total da dívida (art. 27, §4º, da Lei 9.514/97).

Desafio se impõe quando infrutífero o leilão pelo não atendimento dos pressupostos do parágrafo 2º, do artigo 27 à medida que o parágrafo 8º dispõem ser do devedor fiduciante a responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais até a data em que desalojado da posse.

2.1  -Das consequências do leilão frustrado:

 A frustração do leilão impõe quitação recíproca entre credor e devedor fiduciante, com a propriedade ingressando no estoque do financiador910.

As regras de experiência mostram que o não pagamento das prestações do contrato de financiamento imobiliário ocorre quando já existentes cotas condominiais inadimplidas previamente à consolidação da propriedade. Ou, ainda, que essas deixam de serem pagas pelos possuidores diretos enquanto não consolidada a posse pelo credor.

A legislação tal qual lançada merece críticas por não deixar clarividente que a quota condominial inadimplida é ambulatorial à propriedade do imóvel, embora na relação pessoal firmada entre financiador e financiado seja estabelecido o marco temporal sobre a responsabilidade pelo cumprimento de cada prestação.

À coletividade proprietária de partes exclusivas de um condomínio edilício não é dada qualquer interferência/participação nos negócios jurídicos praticados pelos demais titulares de partes exclusivas. Inexiste affectio societatis.

A leitura açodada do parágrafo oitavo, do artigo 27, o distancia do ordenamento jurídico e, de forma contraditória, impõe reflexos do inadimplemento do negócio jurídico imobiliário àqueles que dele não participaram, caracterizando a obrigação condominial como dívida pessoal e vinculada à pessoa do possuidor direto (devedor fiduciante), cuja higidez financeira é clarividente frágil.

9 “Art.27 – § 8o Responde o fiduciante pelo pagamento dos impostos, taxas, contribuições condominiais e quaisquer outros encargos que recaiam ou venham a recair sobre o imóvel, cuja posse tenha sido transferida para o fiduciário, nos termos deste artigo, até a data em que o fiduciário vier a ser imitido na posse. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)”

10 Art. 1.368-B. A alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)

Parágrafo único. O credor fiduciário que se tornar proprietário pleno do bem, por efeito de realização da garantia, mediante consolidação da propriedade, adjudicação, dação ou outra forma pela qual lhe tenha sido transmitida a propriedade plena, passa a responder pelo pagamento dos tributos sobre a propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros encargos, tributários ou não, incidentes sobre o bem objeto da garantia, a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)

A quota condominial é fixada com base no rateio de despesas realizadas para a manutenção das partes comuns. Portanto, a receita é finita por tratar-se de rateio de despesas por um número limitado de proprietários de unidades exclusivas. No condomínio edilício inexiste o fenômeno lucro.

Por sua vez, aos credores fiduciários11 é possível ampla base de clientes que obtém financiamento imobiliário e, portanto, possibilidade de diluir o risco nesses contratos com base em dados atuariais realizados objetivamente e com base no percentual de unidades retomadas e de leilões frustrados.

Não pode o condomínio, e por conseguinte toda a coletividade, suportar os efeitos da resolução do contrato firmado por proprietário de unidade autônoma em razão da frustração do leilão do imóvel objeto da garantia do financiamento imobiliário.

Certamente o impacto sobre o sistema será sentido através do aumento do custo dos novos financiamentos, mas o nível de inadimplência é baixo de acordo com informações de agentes do mercado financeiro imobiliário12.

O sistema de financiamento imobiliário não será afetado em razão de ser conferido aos condomínios edilícios o efetivo ressarcimento dos valores gastos para a manutenção das áreas comuns e que integram, por conseguinte, a propriedade consolidada pelo agente financiador. Deve ser garantida a receita do condomínio, o que reflete, inclusive, em benefício do credor fiduciário diante da valorização do empreendimento em que está situado sua garantia, aumentando sua atratividade.

Outrossim, os agentes financiadores aduzem os prejuízos decorrentes do ter o imóvel retomado em estoque, pois há quebra no fluxo de caixa e, ainda, ônus com pagamentos de manutenção da coisa.

Nessa toada, é salutar que novos leilões para satisfação do crédito condominial sejam realizados, pois a alienação do bem implicará saída do imóvel do estoque das financiadores, sem que isso implique impossibilidade de sua recuperação dos valores os quais faça jus, pois o que sobejar a dívida condominial será revertido ao agora proprietário do bem imóvel.

Se está aqui celebrando a celeridade da consolidação da propriedade quando inadimplidas as prestações do financiamento imobiliário, pois benéfico a todo sistema

11 Para fins deste artigo se considera credor fiduciante as instituições financeiras, pois representam a grade base de agentes financiadores e permitem passar ao largo da controvérsia sobre possibilidade de pessoas físicas figurarem enquanto credores fiduciantes.

12 Disponível em <https://www.abecip.org.br/imprensa/abecip-na-midia/menos-casas-sao-retomadas-por- inadimplencia> Acesso em: 25.05.2020.

financeiro imobiliário, tal qual se advoga a importância de garantir aos condomínios edilícios a eficácia de recomposição dos valores gastos com a manutenção das áreas comuns.

Outrossim, se mostra importante que os credores fiduciários exerçam seu direito potestativo de modo eficaz, não postergando a consolidação da propriedade quando identificado o risco à sua propriedade, como é o caso do inadimplemento das quotas condominiais.

Aos credores fiduciários, por sua vez, como forma de fortalecimento do sistema de financiamento imobiliário, seria salutar dar ciência inequívoca aos condomínios edilícios quando da realização dos leilões extrajudiciais das “unidades retomadas”, pois isso permitiria possibilidade de tratativas para recebimento diferido do débito condominial, o que traduziria em efeitos positivos diante do possível aumento dos interessados pelos leilões.

Simples medida com reflexos salutares ao sistema imobiliário, pois permite a participação dos atores que possuem interesse patrimonial nos leilões.

Noutro vértice, se faz necessária análise sobre a ambulatoriedade da obrigação propter rem e o enriquecimento sem causa do agente financeiro, tudo sob a ótica da confiança legítima dos coproprietários que compõem a coisa da qual foi originada a dívida para a conservação do bem.

Enquanto no condomínio voluntário há estímulo à sua extinção, ao condomínio edilício é conferida proteção em vistas à sua preservação, sendo a administração toda conferida em interesse coletivo. A condição sine qua non para sua preservação é o adimplemento das contribuições condominiais.

A contribuição condominial, portanto, é típica obrigação propter rem, seja porque decorre do direito das coisas, seja porque se destina a conservação da res comum13.

O Código Civil sedimentou a ambulatoriedade da obrigação condominial através do artigo 1345, o qual corrobora a confiança do rateio das despesas pela conservação da coisa comum nos condomínios edilícios será suportada, em última análise, pelas unidades autônomas que compõem o todo.

Se extrai da dissertação de mestrado de Maurício Batistella Bunazar balizamentos sobre a dívida condominial quando alienada a coisa da qual é gerada a obrigação propter rem pretérita à transmissão, verbis:

“A alienação, em tais circunstâncias, causa aquilo que F. K. Comparato chamou de dissociação relativa entre dívida e responsabilidade. Com efeito, o titular do direito subjetivo sobre coisa passa a ser devedor no momento em que se lhe pode exigir a

13 BUNAZAR. Maurício Batistella. Da Obrigação propter rem. Dissertação (Mestrado). 2012. 149 f. Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012.

realização da prestação destinada a conservar a coisa objeto de seu direito. Neste momento há uma obrigação perfeita, pois o titular do direito subjetivo sobre coisa é devedor e responde pelo débito com todos os seus bens. Ao alienar o direito subjetivo sobre a coisa antes de ter realizado a prestação, conserva sua qualidade de devedor responsável, porém o adquirente assume a qualidade de corresponsável.

A corresponsabilidade do adquirente surge em razão da função da obrigação propter rem que, como visto, é de conservar a coisa, sem a qual não há possibilidade de subsistência do direito subjetivo. Na qualidade de titular de direito subjetivo sobre a coisa, passa a ter interesse jurídico na sua conservação, razão pela qual a poder ser

responsabilizado pelo débito propter rem”. 14

O artigo 1.368-B deve ser interpretado, portanto, consoante o artigo 1.345, ambos do Código Civil, mantendo-se a coerência da lei civil, evitando-se antinomias. O marco temporal define o critério objetivo para apuração do saldo devedor para fins de aferição de eventual saldo remanescente, na forma do artigo 27, §4, da Lei 9.514/97

O imóvel em condomínio edilício é atrativo a possíveis adquirentes quando as partes comuns são bem conservadas e há organização financeira capaz de manter a qualidade dos eventuais serviços prestados aos moradores15. Tudo o que é orçado num condomínio edilício é rateado pelos proprietários das partes exclusivas, na forma das convenções. Portanto, se algum proprietário não paga a quota parte que lhe cabe, há reflexos na esfera patrimonial dos demais a quem caberá arcar com o percentual do inadimplente ou ver o patrimônio comum e eventuais serviços depreciados.

Condomínios edilícios e agentes financiadores do mercado imobiliário não estão em lados opostos quando se observa o imbróglio de modo global. Manter as áreas de propriedade comum de modo meticuloso traduz maior interesse por viver naquele condomínio, com valorização das propriedades exclusivas e, com isso, aumento de interessados nos leiloes realizados por força da consolidação da propriedade fiduciária.

Reconhecer a cota condominial como obrigação propter rem não é benesse ou privilégio, mas direito decorrente da segurança jurídica.

14 Op. Cit, p. 106.

15 15 São múltiplos os fatores que implicam na valorização do condomínio edilício, tanto sob a ótica da receita, quanto da qualidade na realização dos gastos. Mas sem receita, se mostra impossível gastar, com ou sem qualidade, traduzindo depreciação da propriedade e serviços ineficientes. Em artigo publicado pelo Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário em 29.01.2020 defendemos a aplicação de regras de governança corporativa aos condomínios edilícios: https://ibradim.org.br/a-governanca-corporativa-nos-condominios-edilicios/ acesso em 27.05.2020

3-  Princípio da proteção da confiança sobre o rateio de despesas no condomínio edilício

De acordo com Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, “O princípio da proteção da confiança constitui a face moderna da segurança jurídica, apresentando-se, frequentemente, em tensão com o princípio da legalidade” 16 e “como face do princípio da segurança jurídica, tem plena aplicação no Direito brasileiro, não apenas no Direito Público, mas também no âmbito do Direito Privado17”

Há defensores da tese de que o artigo 27 §8º, da Lei 9514/97 impõe ao devedor fiduciante o ônus pelo pagamento das quotas condominiais inadimplidas enquanto exercida a posse sob o argumento da aplicação da lei específica em detrimento a lei geral (Código Civil) a qual, inclusive, foi alterada para a inserção de dispositivo similar aquele da lei especial (1.368- B).

Porém, não obstante o relevo das vozes que ecoam esse pensamento, faz-se necessário avaliar a hipótese com suporte nas perspectivas constitucionais e no instituto da obrigação propter rem.

Com efeito, interpretar que o parágrafo 8º, do artigo 27, transmudou a dívida condominial em direito obrigacional incidente sobre a pessoa do devedor isoladamente seria ignorar a origem da dívida condominial no direito das coisas com o escopo de conservação do bem, que serve de garantia ao adimplemento do rateio de despesas para a conservação da área comum do condomínio edilício.

O artigo 1.368-B, do Código Civil, não traz qualquer demonstração inequívoca acerca de destacar a dívida condominial do direito das coisas para inseri-la no campo obrigacional.

Necessária a escorreita aplicação do instituto das obrigações propter rem à hermenêutica conferida à Lei 9.514/97 e artigo 1.368-B, do CC, de forma a coaduna-la ao princípio da legítima confiança e evitando que o condomínio edilício fique em situação de extrema desvantagem, pois a experiência demonstra que o devedor fiduciante, incapaz de pagar os valores do negócio jurídico no qual ofertou o bem imóvel em garantia fiduciária, não possui patrimônio para garantir pessoalmente a satisfação de dívidas decorrentes da conservação da propriedade.

16 REGO, Werson (Coord.) Segurança jurídica e protagonismo judicial: desafios em tempos de incertezas – estudos jurídicos em homenagem ao Ministro Carlos Mário da Silva Veloso. 1ª Ed. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2017. P. 811

17 Op. cit. p. 818.

Interpretar que o artigo 27, §8, da Lei 9.514/97 garantiria o direito subjetivo do condomínio em ver ressarcido os valores gastos para manutenção da propriedade consolidada pelo agente financiador por garantir o poder de coerção para satisfação do débito condominial em face do devedor fiduciante18 implica tornar ineficaz o exercício desse direito, posto inexistente lastro patrimonial para garantir-lhe19.

Com a vênia que merecem os defensores dessa linha, ratifica-se que a hermenêutica conferida implica contrariedade a diversos institutos jurídicos, entre os quais o princípio da segurança jurídica, do qual se desdobra a proteção da confiança, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa e, também, o da ambulatoriedade das obrigações propter rem.

Não se ignora que a frustração do leilão para alienação do imóvel com propriedade consolidada traduz prejuízos ao sistema de financiamentos imobiliários, pois ao financiador caberá o exercício de gestão desse patrimônio, que é diverso do seu mister, impactando no fluxo de caixa. Contudo, à essa instituição financeira, a recuperação do crédito se mostra menos dificultosa em razão da possibilidade de venda noutra oportunidade, muitas das vezes com a concessão de novos financiamentos e, portanto, com a remuneração derivada desse contrato ao passo que ao condomínio edilício cabe o crédito podre, posto de difícil recuperação.

Outrossim, ao agente financeiro é possível distribuir o risco de percalços no fluxo de caixa e a integração, ao seu patrimônio, dos imóveis objeto de operações financeiras inadimplida, ao passo que ao condomínio edilício essa possibilidade é vedada à medida em que a cota condominial corresponde ao rateio das despesas para a manutenção da coisa comum aos proprietários das partes exclusivas. Ou seja, a quota condominial mantém a propriedade integrada ao patrimônio do agente financiador, que é beneficiado por isso sem realizar qualquer contrapartida acaso vencida a interpretação de transmudação da obrigação de propter rem à pessoal.

A receita dos condomínios edilícios é limitada, ao passo que a dos agentes financeiros é elástica conforme se alarga a base de clientes.

Ao condomínio edilício sequer é dada ciência inequívoca da realização do leilão extrajudicial e, com isso, não lhe é possível atuar visando o objetivo comum, que é a arrematação do imóvel e satisfação dos créditos de todos os atores interessados.

18 Doutrinadores do calibre de Alexandre Junqueira Gomide defendem a correição do artigo 27, §8, da Lei 9.514/97. Disponível em <https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-edilicias/313176/o-credor-fiduciario- responde-pelas-dividas-condominiais-incidentes-sobre-o-imovel-objeto-da-garantia> Acesso em 17/06/2020

19 Em linhas vindouras será analisada a posição do STJ quanto ao tema.

Ao condomínio edilício é possível aumentar o interesse e viabilidade de êxito no leilão através do diferimento do recebimento do seu crédito, o que obviamente deve ser conferido em igualdade de condições ao devedor fiduciante, na forma do artigo 27, 2º-B da Lei 9.514/97.

O setor imobiliário deve ser analisado em unidade e, nessa seara, os interesses de manutenção do fluxo de pagamentos essenciais à novos financiamentos, com a satisfação dos débitos com as instituições financeiras, não pode ocorrer em detrimento daqueles que adquirem imóveis em condomínio edilício e, portanto, possuem a legítima expectativa de que as despesas de manutenção da coisa comum serão suportadas por todos os consortes e, em caso de inadimplemento, lhes caberá cobrar do condômino inadimplente as despesas de manutenção da coisa tendo o imóvel como garantia de adimplemento.

E isso independe de quem figure enquanto proprietário do bem imóvel em condomínio edilício ou a transferência de propriedade, a qualquer título, inclusive na hipótese de consolidação da propriedade fiduciária.

O condomínio edilício é formado em razão da autonomia da vontade de seus instituidores20, mesmo na hipótese de incorporação imobiliária21, e possui por características áreas de uso comum22 e outras de uso exclusivo. Instituído o condomínio edilício (a coisa), por consequência se faz necessário o rateio para sua manutenção custeada pelos proprietários de partes exclusivas que integram o todo, na proporção que é fixada na convenção.

Não se está aqui entrando na polêmica sobre a possibilidade de criação de obrigação proter rem por autonomia de vontade, mas, sim, afirmando-se as premissas com as quais os condôminos instituem o condomínio edilício (a coisa)23.

Chame-se atenção para a proteção da confiança e legítima expectativa dos coproprietários de que todos os que estão ligados às propriedades exclusivas no condomínio edilício contribuirão para a manutenção através do rateio das despesas derivada da coisa

20 Não se ignora a possibilidade de instituição de condomínio edilício por testamento, mas, mesmo nessa hipótese, há obrigação de contribuição para custeio da parte comum aos coproprietários.

21 A incorporação imobiliária pressupõe o atendimento de requisitos próprios, estipulados na Lei 4591/67 e a ela aderem os adquirentes de unidades autônomas cientes da obrigação de participar do rateio de despesas, especialmente pelo prévio registro da convenção do condomínio, contendo obrigatoriamente a forma de rateio de despesas.

22 O formato condomínio clube tem a concepção de otimizar áreas comuns, acrescentando-lhes serviços.

23 BUNAZAR. Maurício Batistella. Da Obrigação propter rem. Dissertação (Mestrado). 2012. 149 f. Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012., p. 120, aduz que não há sentido no que chama de debate acadêmico e ideológico sobre a possibilidade de criação de obrigação propter rem pela autonomia das vontades, “afinal a necessidade de conservação surge de uma situação de fato e não de um ato criativo”. Aborda, também, que os defensores da impossibilidade de criação de obrigação proter rem por autonomia de vontade consideram serem os direitos reais taxativos e neles não estar contemplada a hipótese

comum24, o que inclusive está materializada no artigo 1345, do Código Civil25, e que não sendo essa contribuição realizada, o condomínio edilício – pessoa formal – poderá se valer da excussão da propriedade exclusiva para satisfação do crédito da coletividade.

Desde a doutrina clássica à contemporânea, a proteção da confiança é relacionada à segurança jurídica, verbis:

“a ideia de segurança jurídica reconduz-se a dois princípios materiais concretizadores do princípio geral da segurança jurídica: princípio da determinabilidade de leis expresso na exigência de leis claras e densas e o princípio de proteção da confiança, traduzido na exigência de leis essencialmente estáveis, ou, pelo menos, não lesivas da previsibilidade e calculabilidade dos cidadãos relativamente aos seus efeitos jurídicos”26

“atualmente, a proteção à confiança é compreendida como preceito autônomo em relação à segurança jurídica, restringindo-se esta ao campo objetivo do respeito aos direitos adquiridos, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, enquanto aquela se relaciona aos componentes de ordem subjetiva e pessoal dos administradores”27

A confiança dos adquirentes de unidades autônomas em condomínios edilícios é a de que as despesas para conservação da coisa comum serão rateadas conforme a convenção e que há eficácia e efetividade nessa cobrança pela certeza de que, em última análise, a unidade autônoma é a garantia pelo débito.

Há polêmicas, muitas vezes, nos condomínios edilícios sobre a forma de fixação de rateio, na forma da convenção, mas jamais com relação à sensação comum sobre ser o apartamento a garantia do pagamento da dívida em caso de inadimplemento28.

A relação jurídica firmada entre os titulares de direito real num condomínio edilício se dá num pressuposto de que a parte exclusiva integrante do todo – o condomínio – é a garantia para a satisfação dos valores fixados para a conservação da área comum.

Portanto, o registro confere oponibilidade da convenção erga omnes e entre os itens da convenção está o rateio das despesas para manutenção das partes comuns, obrigação derivada da existência da rem.

24 Se mostra essencial destacar que a lei estimula a extinção do condomínio voluntário ao passo que preserva a manutenção do condomínio edilício, razão pela qual a renúncia translativa naquele prevista (artigo 1.316, do CC) 25 Art. 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.

26 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 6. Ed. Coimbra: Almedina, 1993, p.371 e 372

27 FILHO, Luiz Roldão de Freitas Gomes. Justiça, segurança jurídica e paternalismo moderado nas relações de consumo in Segurança jurídica e protagonismo judicial – desafios em tempos de incertezas – estudos jurídicos em homenagem ao Ministro Carlos Mário da Silva Veloso / Coordenação Werson Rêgo. – 1. Ed. – Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2017, p.598

28 A convenção, quando registrada na forma da Lei 6015/73 – artigo 178 é oponível a todos, inclusive novos adquirentes de unidades autônomas que não as tenha subscrito.

A isonomia impõe que todas as propriedades exclusivas, num condomínio edilício, garantam o pagamento do rateio das despesas realizadas para a manutenção das partes comuns que integram o todo e interpretar que o artigo 27 §8º, da Lei 9514/97 e artigo 1369-B, parágrafo único, do Código Civil, transferem a garantia da coisa (propriedade exclusiva) para a pessoa significa não somente ferir de morte o princípio da confiança, mas também o da isonomia enquanto confere privilégio a determinado proprietário.

A hermenêutica que melhor se aplica aos artigos 27 §8º, da Lei 9.514/97 e 1.368- B, do CC, dão conta de que esses representam marco temporal de responsabilidades quando do encontro de contas entre os contratantes, mas sem qualquer reflexo aos condomínios credores de quotas condominiais inadimplidas.

Reforça a característica propter rem das cotas condominiais o artigo 7229, da Lei 11.977/09, que instituiu o Programa Minha Casa, Minha Vida, que expressamente determina a intimação do credor fiduciário na hipótese de demandas versando sobre dívida condominial.

Sendo o imóvel a garantia pelo pagamento da dívida condominial, há interesse direto do credor fiduciário em resguardar seu crédito, igualmente garantido pela propriedade.

Ao devedor fiduciante cabe o pagamento das cotas condominiais enquanto obrigação ínsita ao contrato de financiamento imobiliário com pacto adjeto de alienação fiduciária, possuidor direto do bem. Mas não se justifica a desmedida proteção aos credores fiduciários à medida que ao condomínio edilício é impossível distribuir riscos em razão de 2 critérios objetivos: o número finito de pagantes da cota condominial e a imposição legal de que a cota condominial represente rateio de despesas.

4  – Posição do Superior Tribunal de Justiça

A súmula 478 do STJ ratifica a confiança dos coproprietários de imóveis em condomínios edilícios de que as despesas de manutenção da coisa comum são suportadas por todos os condôminos, posto a obrigação decorrer da existência da coisa. E isso se dá, inclusive, na hipótese de inadimplemento de obrigação pessoal contemporânea à obrigação propter rem, devendo os direitos patrimoniais sobre o bem garantirem a quitação da dívida decorrente da conservação do patrimônio em prevalência à obrigação pessoal.

29 Art. 72. Nas ações judiciais de cobrança ou execução de cotas de condomínio, de imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana ou de outras obrigações vinculadas ou decorrentes da posse do imóvel urbano, nas quais o responsável pelo pagamento seja o possuidor investido nos respectivos direitos aquisitivos, assim como o usufrutuário ou outros titulares de direito real de uso, posse ou fruição, será notificado o titular do domínio pleno ou útil, inclusive o promitente vendedor ou fiduciário.

A dívida condominial é considerada por obrigação propter rem, conforme se afere de trecho do voto do Exmo. Ministro Ricardo Villas Bôas Correa:

Nessa linha, não é cabível atribuir a responsabilidade do credor fiduciário pelas dívidas condominiais antes de fazer uso da garantia sob pena de desvirtuar o próprio instituto da alienação fiduciária. O fiduciário e o condomínio são prejudicados com a inadimplência do devedor fiduciante, haja vista que se a instituição financeira consolidar a propriedade para si, receberá o imóvel no estado em que se encontra, até mesmo com os débitos condominiais, pois são obrigações de caráter propter rem (por

causa da coisa). 30

O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino igualmente reconhece a ambulatoriedade da dívida condominial conforme se depreende do trecho extraído do julgado da lavra do Ministro:

“Em se tratando a dívida de condomínio de obrigação “propter rem”, constando do edital de praça a existência de ônus incidente sobre o imóvel, o arrematante é responsável pelo pagamento das despesas condominiais vencidas, ainda que estas sejam anteriores à arrematação, admitindo-se, inclusive, a sucessão processual do antigo executado pelo arrematante”.31

O mesmo entendimento foi adotado pelo Ministro Luis Felipe Salomão importantes linhas sobre a classificação da cota condominial como obrigação propter rem, in verbis:

“Nessa esteira, as despesas condominiais, compreendidas como obrigações propter rem, que se caracterizam pela ambulatoriedade da pessoa do devedor, são de responsabilidade daquele que detém a qualidade de proprietário da unidade imobiliária, ou ainda do titular de um dos aspectos da propriedade, tais como a posse, o gozo ou a fruição, Documento: 67034846 – EMENTA, RELATÓRIO E VOTO – Site certificado Página 14 de 31 Superior Tribunal de Justiça desde que esse tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio.

A doutrina não vacila ao afirmar que “o interesse prevalecente é o da coletividade de receber os recursos para o pagamento de despesas indispensáveis e inadiáveis, podendo o credor escolher o que mais prontamente poderá cumprir com a obrigação, ficando ressalvado ao adquirente o direito de interpor ação regressiva em face do alienante, a fim de reaver tais valores”. (CHAVES DE FARIAS, Cristiano. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. Vol. 5. 9ª ed. rev., ampl. e atual. Editora Juspodivm: Bahia, 2013, p. 734).

(…)

Ademais, impende registrar que o regular e tempestivo pagamento das taxas condominiais é obrigação essencial de todos os condôminos – evitando-se o30 STJ. Recurso Especial: Resp nº 1.696.038 – SP. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Correa. DJ: 28.08.2018. Disponível em

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=85766163&num

_registro=201701385672&data=20180903&tipo=51&formato=PDF> Acesso em 20 de maio de 2020

31 STJ. Recurso Especial: Resp n.º 1.672.508 – SP. Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. DJ 25,06,2019. Disponível em

<https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=1821037&tipo=0&nreg=201701142741&SeqCgr maSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20190801&formato=PDF&salvar=false> Acesso em 17/06/2020

parasitismo às custas da coletividade condominial -, pois “a pontualidade no pagamento das despesas de condomínio constitui dever dos condôminos e fator importante para a boa administração”. (LOPES, João Batista. Condomínio. 10 ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 123)” 32

É possível extrair do acórdão do REsp nº 1.829.663 – SP, cuja relatoria coube à Exma. Ministra Nancy Andrighi, valiosas lições reforçando o caráter propter rem da dívida condominial e sua estreita vinculação com aquele que trava relação de âmbito real com a coisa.33

Igualmente no sentido de proteção aos interesses do condomínio está o REsp 1.731.735 – SP, julgado em 13.11.2018, pela Terceira Turma, também sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi. O acórdão enfrentou a contraposição de interesses aparentemente contrapostos, compatibilizando-os:

“Aparentemente, com a interpretação literal dos mencionados dispositivos legais, chega-se à conclusão de que o legislador procurou mesmo proteger os interesses do credor fiduciário, que tem a propriedade resolúvel como mero direito real de garantia voltado à satisfação de um crédito.

Ocorre que a proteção indefinida do credor fiduciário contrasta-se com outro interesse digno de tutela: o interesse dos titulares de créditos gerados pelo próprio bem dado em garantia (a exemplo do IPTU, das despesas condominiais, etc.) que, se não puderem satisfazê-lo mediante a penhora ou excussão da coisa, ficarão desprotegidos. Assim, com a finalidade de evitar situações iníquas, cabe à doutrina e à jurisprudência compatibilizar e harmonizar os interesses conflitantes do credor fiduciário e dos credores de despesas geradas pelo bem garantido.

Isso porque não há como se admitir a solução literal e simplista adotada pelo legislador, que abraçou de modo integral os interesses do credor fiduciário, deixando a descoberto os credores que contribuem para a manutenção e preservação do bem dado em garantia (Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. Lei 10.406, de 10.01.2002 / coordenador Cezar Peluso. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Manole, 2016,

  1. 1.339). 34

De acordo com a orientação pretoriana, nas demandas objetivando a cobrança de quotas condominiais inadimplidas, ao credor fiduciário caberá figurar no polo passivo após a efetiva imissão na posse direta do bem objeto do pacto adjeto da alienação fiduciária e, nesse

32 STJ. Recurso Especial: Resp n.º 1483930 / DF. Relator Ministro Luis Felipe Salomão. DJ 23.11.2016 Disponível em

<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=67034846&nu m_registro=201402409893&data=20170201&tipo=91&formato=PDF> Acesso em 23.05.2020

33 STJ. Recurso Especial: Resp n.º 1.829.663 – SP. Relatora Ministra Nancy Andrighi. DJ 05.11.2019 Disponível em

<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=102851467&n um_registro=201601740585&data=20191107&tipo=91&formato=PDF> Acesso em 17/06/2020

34 STJ. Recurso Especial: Resp n.º 1.731.735 – SP – SP. Relatora Ministra Nancy Andrighi. DJ 13.11.2018 Disponível em

<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=89500680&nu m_registro=201401396880&data=20181122&tipo=91&formato=PDF> Acesso em 17.06.2020

momento, responderá com o patrimônio pela integralidade das despesas condominiais inadimplidas.

Enquanto na posse do devedor fiduciante, caberá a esse figurar no polo passivo e o saldo obtido através de leilão judicial ou extrajudicial deverá satisfazer os credores das despesas geradas pela coisa, sendo o saldo revertido ao credor fiduciário.

O STJ se mantém firme no seu posicionamento sobre inexistência de solidariedade entre devedor fiduciante e credor fiduciário diante da ausência de previsão legal que ampare esse entendimento, da mesma forma que imperioso salientar os julgados prestigiando a distribuição dos riscos de eventuais despesas geradas pelos imóveis em estoque por todo o sistema de financiamento imobiliário, o que é impossível aos condomínios edilícios.

O sistema de financiamentos deve ser preservado sem o risco de colapso dos condomínios edilícios cuja manutenção e preservação se dá unicamente através das cotas condominiais pagas pelos proprietários das partes exclusivas e comuns, com a confiança legítima de que o inadimplemento do coproprietário faltante será suportado com a unidade imobiliária, independente de quem figure enquanto proprietário.

Se faz necessário sedimentar o posicionamento esposado pelo STJ, pois correlato à hermenêutica que conjuga os interesses jurídicos em conflito aparente consoante o instituto das obrigações propter rem.

5  – Aspectos processuais da demanda executiva

Como defendido ao longo do presente trabalho, é correlato ao Princípio da Confiança que o rateio das despesas condominiais seja adimplido pelo proprietário da unidade autônoma integrante de condomínio edilício, havendo a transferência do débito ao proprietário que adquire o bem a qualquer título, dada a natureza propter rem das cotas condominiais. Reafirma-se que o referido efeito recai sobre o credor fiduciário que se torna proprietário pleno nos termos do art. 1368-B do CC e 27, §8, da Lei 9.514/97.

Não raros são os casos em que o desejo de satisfação do crédito pode ocorrer pela via da ação executiva a ser proposta pelo condomínio em face do devedor fiduciante, gozando, o credor, de título executivo extrajudicial como previsto no art. 784, VIII do CPC.

Questão intrincada reside na demanda executiva ajuizada em face do condômino devedor, quando ocorre, de maneira superveniente, a consolidação da propriedade por parte do credor fiduciário. Como sustentado, de acordo com o entendimento que converge para a transferência da dívida condominial ao credor fiduciário, é importante analisar, no aspecto

processual, como fica a demanda executiva pendente e, por via de consequência, a situação do condomínio quando da mudança do devedor.

O art. 779 do CPC, ao tratar de legitimidade passiva para a demanda executiva, não estabelece regramento específico para o presente problema. Há, não obstante, previsão no sentido de se intimar o credor fiduciário na demanda executiva proposta em face do devedor fiduciante, uma vez que eventual penhora poderá recair sobre o bem dado como garantia da dívida.

É dessa maneira que, para se preservar a integridade processual e os interesses de todos os envolvidos, o credor deve, ao propor a ação executiva, requerer a citação do devedor fiduciante bem como a intimação do credor fiduciário, visto que presente, por parte deste, um interesse legítimo. Como afirma Araken de Assis, é uma verdadeira hipótese de legitimidade passiva extraordinária do credor fiduciário, pois, em razão da relação contratual firmada, expõe seu patrimônio à satisfação do crédito.35

Parece-nos, entretanto, que a exigência de intimação prevista no art. 799, I CPC não torna o credor fiduciário parte da demanda executiva. Caso fosse este o desejo do legislador teria determinado sua citação. A exigência de intimação ocorre pelo fato de se dar conhecimento ao credor fiduciário de modo a oportunizar ao titular do direito real a proteção de seu direito durante a execução bem como outorgar eficácia à alienação judicial do bem penhorado conforme art. 804 caput §§ 3º CPC36.

Assim sendo, é preciso pensar na situação de a demanda executiva ajuizada em face do devedor fiduciante em que ocorre, de maneira superveniente, a consolidação da propriedade pelo credor fiduciário.

De acordo com a ciência processual, a estabilização subjetiva da relação jurídica processual ocorre no momento da propositura da ação, sendo permitida a mudança das partes da demanda em situações específicas previstas pelo legislador. Nessa ordem de ideias, é preciso identificar, dentro da dinâmica processual, a possibilidade de substituição do executado

35 De acordo com o referido autor “Em última análise, e de olho na realidade prática, interessa definir a quem se rotulará parte legítima passiva na demanda executória. A resposta é simples: a quem não puder livrar-se de a execução recair no seu patrimônio. Essa responsabilidade recai sobre dois grupos: (a) os que assumiram a dívida mediante declaração de vontade; e (b) os que, apesar de não assumirem dívida alguma, expõem seu patrimônio à satisfação do crédito, porque são responsáveis pela solução da dívida. Essas últimas pessoas, envolvidas no processo pelo ângulo subjetivo (o credor propôs ação contra elas a execução) desde o início, ou em decorrência da constrição de algum bem dentro da sua esfera patrimonial (v.g., o bem gravado com hipoteca, que garante dívida de outrem que não o proprietário), ostentam-se partes.” ASSIS, Araken de. Manual de Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. P. 385

36 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. Volume III. Rio de Janeiro: Forense, 2018. P. 421

originário (devedor fiduciante) pela figura do credor fiduciário, no caso de consolidação da propriedade por este último.

Antes de se estabelecer as possibilidades que seguirão, é preciso considerar que a ausência do credor fiduciário na qualidade de devedor indicado no título executivo não deve ser considerado óbice para o aproveitamento da demanda executiva em trâmite. Existem diversos exemplos de responsáveis secundários que não constam do título executivo ensejador da tutela executiva e são admitidos na qualidade de executado. Citemos, a título de ilustração, o caso dos sócios de uma sociedade em que ocorreu da desconsideração da personalidade jurídica no curso do processo executivo autônomo ou no cumprimento de sentença ou do espólio que responde pelas dívidas do falecido. Em nenhum desses casos o responsável figura no título executivo como devedor, mas responderão pelo cumprimento da obrigação, assumindo a posição de executado numa demanda executiva.

Seguindo-se a temática do aspecto subjetivo da demanda executiva, a indagação acerca da (im)possibilidade de substituição do executado, no caso de consolidação da propriedade pelo credor fiduciário na pendência do processo executivo, merece algumas reflexões, pois, como afirmado, o CPC não estabelece um instrumento especifico para a alteração. Portanto, a anomia exige uma análise que permita um sentido integrativo capaz de permitir, ao julgador, uma resposta consentânea com o Direito Processual, considerando, especialmente, as normas fundamentais do vigente diploma processual.

De início é importante esclarecer que a solução para o presente problema não é encontrado no art. 109 do CPC, pois ao cuidar da substituição de parte, pressupõe a alienação da coisa ou direito litigioso por uma das partes originárias na pendência do processo. No caso da demanda executiva para a satisfação das cotas condominiais em atraso, a coisa litigiosa não é o imóvel gerador do débito, mas o crédito do condomínio. Ao ocorrer a transferência do bem do devedor fiduciante ao credor fiduciário não incorre na alienação da coisa litigiosa, não sendo aplicável, na espécie, o art. 109 §3º CPC que estende os efeitos da sentença ao adquirente37.

Poder-se-ia, a partir de uma interpretação sistemática, admitir a substituição do executado de acordo com o art. 338 do CPC, que admite a correção do polo passivo no processo de conhecimento, sendo aplicável ao processo executivo por força do disposto no art. 771 parágrafo único do diploma processual civil. Ocorre que, nesse caso, a nosso ver, tal aplicação

37 STJ. Recurso Especial: AResp 1.235.822-SP. Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze. DJ 04.05.2020. Disponível em < https://scon.stj.jus.br/SCON/decisoes/toc.jsp?processo=1235822.NUM.&b=DTXT&thesaurus=JURIDICO&p=tru e> acesso em 19.06.2020

seria possível no caso de indicação errônea por parte do condomínio quando já consolidada a propriedade plena por parte do credor fiduciário. No entanto, a solução já não seria a mesma caso a incorporação da plenitude da propriedade ocorresse em momento posterior à citação do executado, em momento avançado no processo executivo.

O fato é que a substituição do executado, no caso em análise, não encontra amparo em nenhuma das categorias de substituição previstas no CPC. No entanto, isso não pode representar óbice para a mudança do polo passivo da relação processual executiva. O processo não pode ser considerado um fim em si mesmo, devendo reconhecer que o formalismo processual deve, em certa medida, ceder ao propósito de satisfação do crédito exequendo.

A substituição da parte executada deve ser considerada como a medida mais adequada para a preservação do escopo da atividade executiva, sendo, portanto, consentânea com o princípio da efetividade da tutela jurisdicional. O princípio do devido processo legal, expresso na Carta Constitucional, conduz à ideia de que processo devido é, também, aquele que se mostre efetivo. Dessa forma, cabe ao julgador, compreender o sistema jurisdicional como um meio capaz de fornecer meios para a integral satisfação do direito perseguido na execução38.

Não se nega o fato que o formalismo processual representa medida desejada no sentido da busca pela ordem e segurança dentro do processo. Como adverte Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, é fundamental estabelecer limites de atuação e cooperação dos atores processuais de modo a permitir uma previsibilidade de começo e fim do processo39.

No entanto, devemos repensar as estruturas de organização do processo, pois o formalismo pelo formalismo tornaria o processo um instrumento vazio e dissociado de seu objetivo. Só é adequado pensar num formalismo dentro de um contexto processual justo, que permita às partes, em tempo razoável, o efetivo acesso à justiça40.

38 Segundo Marcelo de Lima Guerra “a) a interpretação das normas que regulamentam a tutela executiva tem de ser feita no sentido de extrair a maior efetividade possível; b) o juiz tem o poder-dever de deixar de aplicar uma norma que imponha uma restrição a um meio executivo, sempre que essa restrição não se justificar como forma de proteção a outro direito fundamental; c) o juiz tem o poder-dever de adotar os meios executivos que se revelem necessários à prestação integral de tutela executiva.” Guerra, Marcelo de Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: RT, 2002. P. 103-104

39 “O formalismo processual contém, portanto, a própria ideia do processo como organização da desordem, emprestando previsibilidade a todo o procedimento. Se o processo não obedecesse a uma ordem determinada, cada ato devendo ser praticado a seu devido tempo e lugar, fácil entender que o litígio desembocaria numa disputa desordenada, sem limites ou garantias para as partes, prevalecendo ou podendo prevalecer a arbitrariedade e a parcialidade do órgão judicial ou a chicana do adversário.” OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. In Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006. P. 60

40 “Além disso, a perspectiva constitucional do processo veio a contribuir para afastar o processo do plano das construções conceituais e meramente técnicas e inseri-lo na realidade política e social. Tal se mostra particularmente adequado no que diz respeito ao formalismo excessivo: pois sua solução exige o exame do conflito dialético entre duas exigências contrapostas, mas igualmente dignas de proteção, asseguradas

No mesmo sentido José Roberto dos Santos Bedaque, segue afirmando que o processo não pode prescindir da técnica, uma vez que o cuidado conceitual é indispensável para qualquer ramo do conhecimento humano que se pretenda científico. Ocorre que a concepção moderna precisa buscar um equilíbrio e, para tanto, mostra-se apropriado afastar-se de um tecnicismo exagerado para se viabilizar o alcance da efetividade das tutelas jurisdicionais41.

É por força da ideia de efetividade da tutela executiva que, de lege ferenda, deve- se admitir a substituição do executado na hipótese de o credor fiduciário consolidar a propriedade de unidade integrante de condomínio edilício. Assumirá o polo passivo da demanda executiva em curso, proposta pelo condomínio, sucedendo o devedor fiduciante, executado originário.

Dentro da ideia de efetividade da tutela jurisdicional executiva, prevista expressamente no art. 4 do CPC, é importante pensar meios de se admitir a substituição do executado, mantendo-se a higidez do sistema processual42. Aquele que adquire unidade autônoma de condomínio edilício torna-se sucessor dos débitos das cotas condominiais em atraso conforme art. 1345 CC.

O Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Resp 1119090/DF considerou a possibilidade da responsabilidade pelo adimplemento ser assumido pelo credor no caso da propriedade plena pela realização da garantia. Embora no julgado não se discutisse a substituição da parte executada no curso da demanda executiva, reconheceu-se a possibilidade de ajuizamento da ação objetivando a satisfação do débito tanto em face do antigo proprietário quanto em face do adquirente43.

constitucionalmente: de um lado, a aspiração de um rito munido de um sistema possivelmente amplo e articulado de garantias “formais” e, de outro, o desejo de dispor de um mecanismo processual eficiente e funcional.” Op. cit. P. 68

41 “O processualismo exagerado normalmente acaba por criar enormes dificuldades para o próprio escopo do processo. A grande atenção que se dá para os conceitos processuais configura inversão de valores, pois o que realmente importa são os resultados alcançados pelo processo, no plano do ordenamento material e da pacificação. A preocupação com a técnica é justificável enquanto meio para atingir fins. A precisão conceitual é necessária a qualquer ciência. Apenas não pode se transformar a técnica, os conceitos e as definições em objeto principal da ciência processual. Pretende- se demonstrar que todos os fenômenos inerentes ao processo devem ser concebidos em função do direito material. A técnica adequando-se ao objeto, com vistas ao resultado.” BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo: a influência do direito material sobre o processo. São Paulo: Malheiros, 2001. P. 50.

42 No presente caso em que se discute a transmissão da obrigação condominial não se aplica por analogia a súmula 392 do STJ que inadmite a substituição do executado na execução fiscal. A afirmação se confirma, pois embora estejamos diante de obrigações propter rem, na obrigação tributária o novo proprietário não teve o lançamento direcionado contra ele, não sendo oportunizado, no âmbito do processo administrativo, o contraditório e ampla defesa. A ratio decidendi da tese jurídica firmada pelo STJ torna distintas as situações, não devendo ser, portanto, considerada no presente caso.

43 “Conjuga-se, dessa forma, a responsabilidade do comprador e do vendedor, entendimento amparado na jurisprudência desta Corte, que tem admitido a possibilidade de ajuizamento de ação para cobrança de quotas

Nesse sentido vale citar Theotonio Negrão que afirma “O adquirente do imóvel é responsável pelo pagamento dos débitos anteriores à aquisição, de modo que admissível a substituição do polo passivo da execução como autoriza o art. 1345 do CC/2002 (JTJ 302/380)”44.

Por fim, deve-se considerar que impedir a substituição do polo passivo poderá onerar demais o condomínio dadas as possibilidades que emergem da proibição. Num primeiro cenário, diante da ilegitimidade, restaria ao exequente a desistência da ação executiva em curso para posterior ajuizamento de nova ação em face do novo devedor, tendo de arcar com todos os custos processuais.

Outra possibilidade, em não havendo a desistência, seria a extinção da execução em razão da ilegitimidade do executado, sendo igualmente oneroso e injusto para o exequente uma vez que, quando da propositura da ação havia regularidade subjetiva, sendo superveniente a mudança da figura do devedor. A extinção ocorreria por um fato alheio e totalmente imprevisto por parte do condomínio credor, identificando-se um insucesso por fator não causado por ele.

Dessarte, a substituição do executado surge como medida adequada, capaz de permitir a efetiva satisfação do crédito, aproveitando-se a demanda executiva em curso, em assaz conformidade com o ideal de efetividade do processo. Como afirmado, o processo deve ser considerado um instrumento de realização do acesso à justiça, sobretudo na perspectiva da satisfação daquele que teve um direito ameaçado ou violado.

6- Conclusão

Os interesses do condomínio edilício e do credor fiduciário são correlatos quando se afere inadimplemento das parcelas a quem fazem jus por força da cota condominial e do contrato de financiamento imobiliário, pois ambos almejam ver seus créditos satisfeitos mesmo que isso se dê com excussão da garantia.

A consolidação da propriedade fiduciária impõe aparente conflito de interesses quando frustrados os leilões extrajudiciais, mas as razões da ausência de interessados na

condominiais tanto em face da antiga proprietária que ainda figura no registro de imóveis no momento do ajuizamento como contra aos eventuais adquirentes (REsp 712.661/RS, 3ª Turma, de minha relatoria, DJ de 1º/07/05; REsp 728.251/SP, 4ª Turma, Rel. min. Jorge Scartezzini, DJ de 12/09/05), sem prejuízo, todavia, de uma cabível ação de regresso.” STJ. Recurso Especial: REsp 1119090. Relatora Ministra Nancy Andrighi. DJ 02.03.2011. Disponível em< https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=1119090&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true

> acesso em 18/06/2020

44 NEGRÃO, Theotonio. Código Civil e Legislação civil em vigor. São Paulo: Saraiva, 2017. P. 539.

arrematação possuem diversos fatores, sendo o econômico o principal deles. Sob esse prisma, seria razoável dar ciência inequívoca dos condomínios edilícios para que esses manifestassem a possibilidade de recebimento diferido do crédito condominial inadimplido, o que implicaria desembolsar menores valores à vista para a arrematação do bem, obviamente respeitada a isonomia em caso de exercício do direito de preferência pelo devedor fiduciante.

Ao condomínio edilício há limitações de arrecadação, pois não se pode ultrapassar

o número de unidades que o integram ao passo que aos credores fiduciários é possível pulverizar

o risco de eventuais distorções no fluxo de recebimento das prestações dos financiamentos imobiliários e ingresso de imóveis em seu estoque, mesmo que isso impacte os preços. Deve ser preservado o sistema de financiamento imobiliário por salutar aos interesses econômicos e sociais, mas sem sacrifício de direitos igualmente assegurados, especialmente os da confiança legítima dos proprietários de unidades em condomínios edilícios de que todas as despesas para manutenção das partes comuns serão suportadas por todos os que integram o todo e não por parcela deles. A satisfação de crédito inadimplido se dará, em última análise, com o sacrifício da unidade imobiliária inadimplente.

Frustrados os leilões extrajudiciais, caberá ao credor fiduciário responder pela integralidade da dívida condominial por tratar-se de obrigação propter rem, sem prejuízo da confiança legítima dos proprietários de unidades exclusivas de que o rateio das despesas comuns será efetivamente realizado por todos os condôminos, com a garantia da propriedade imobiliário da qual a dívida se origina.

A cota condominial representa o rateio das despesas para manutenção das partes comuns do condomínio edilício e o mercado traduz maior interesse por aquisição de unidades em condomínios edilícios bem conservados e bem cuidados, características para as quais se faz necessário o escorreito pagamento das contribuições condominiais. Para tanto, contudo, se pressupõe manutenção do fluxo de caixa do condomínio, também.

Portanto, ambos os sistemas devem ser preservados, tanto o macrossistema (o de financiamentos imobiliários), quanto o microssistema (o condomínios edilícios), sendo convergentes os interesses e não divergentes, mesmo quando se advoga a imperiosa necessidade de se manter hígida a integralidade da dívida condominial em desfavor do proprietário do imóvel em condomínio, mesmo que esse bem seja fruto de satisfação de garantia de contrato de financiamento imobiliário.

O Superior Tribunal de Justiça manifestou o entendimento sobre a hermenêutica que deverá ser conferida aos artigos 27, §8, da Lei 9.514/97 e 1.368-B, do CC, conjugando o instituto da obrigação propter rem à legítima confiança dos condôminos proprietários de

unidades autônomas em condomínios edilícios, evitando-se o enriquecimento sem causa dos credores fiduciários pois as propriedades comuns integrantes do condomínio edilício são mantidas através do pagamento das cotas condominiais. E partes comuns bem cuidadas implicam valorização da propriedade exclusiva.

O escorreito posicionamento do STJ ainda não se encontra consolidado e há vozes divergentes na doutrina e jurisprudência as quais serão silenciadas quando for percebida a convergência de interesses jurídicos aparentemente em choque, pois o melhor interesse do agente financiador do mercado imobiliário é manter o fluxo de pagamentos e não ter, em seus estoques, os imóveis cuja propriedade fora consolidada em razão de inadimplemento, ao passo que aos condomínios é manter o fluxo de pagamentos para a manutenção da coisa comum.

Frustrado o leilão extrajudicial, inexistem motivos para frustrar a tentativa do condomínio em buscar os recursos necessários para satisfação de seu crédito, garantindo a reversão do que sobejar ao agente financeiro que figurar como proprietário, sendo essa a interpretação que deve prevalecer por ser correlata à proteção da confiança gerada quando se adquire imóvel em condomínio edilício.

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