Assembleias Condominiais pós RJET na hipótese de prorrogação dos mandatos dos síndicos

*Fabio Martins

SUMÁRIO. Introdução. 1 A vigência da Lei 14.010/2020 e o ato jurídico perfeito. 2 Da ponderação de valores jurídicos tutelados: proteção à saúde x gestão patrimonial. 2.1 Função social da propriedade e proteção ao condômino. 2.2 Assembleia virtual x assembleia presencial. 3 Assembleia condominial objeto de ata notarial. 4. Conclusão. Referências Bibliográficas.

Introdução

O artigo 12, da Lei 14.010/2020, Regime Jurídico Emergencial e Transitório para o período da pandemia do coronavírus, “RJET”, prorrogou até 30.10.2020 os mandatos dos síndicos vencidos a partir de 20 de março de 2020, quando impossível a realização de assembleia presencial.

Ultrapassada a data limite imposta pela lei do RJET, a pandemia da COVID-19 permanece assombrando a sociedade, com mortes superiores a 360.000 pessoas, embora notícias deem conta da inexistência do arrefecimento no ritmo de propagação do vírus, sendo claudicante o ritmo de vacinação.

De toda forma, nos condomínios edilícios nos quais as assembleias não foram realizadas pela internet, os óbices que implicaram a prorrogação de mandatos permanecem hígidos como, da mesma forma, mantêm-se inalterados os receios diante da pandemia da COVID-19.

Malgrados os questionamentos sobre os efeitos da vigência do RJET, aos síndicos se apresentou outro desafio – somado aos múltiplos postos ao longo da pandemia – pois lhes é imperiosa a convocação e realização de assembleias com a garantia dos direitos de voz e votos aos condôminos adimplentes com a adoção de medidas sanitárias que garantam segurança à saúde daqueles que se disponham a participar do ato.

A desatenção das medidas de segurança sanitária, por sua vez, traduz riscos de questionamento dos resultados das deliberações sob o argumento da impossibilidade da escorreita participação do condômino no debate das questões patrimoniais diante dos iminentes riscos à saúde.

E daí se extrai a importância da ata notarial como importante ferramenta para materializar tanto a garantia de voz e voto aos condôminos, quanto a adoção das medidas necessárias à preservação da saúde daqueles que compareçam ao ato assemblear, tudo com vistas à segurança jurídica.

O artigo abordará os desafios dos condomínios cuja realização de assembleia virtual não seja possível.

Resumo

A Lei 14.010/2020, Regime Jurídico Emergencial e Transitório para o período da pandemia do coronavírus, “RJET”, festejada por necessária, não trouxe a segurança jurídica plena diante da tardia entrada em vigor, embora dela se extraia a prevalência do direito à saúde em detrimento ao patrimonial.

No que tange aos condomínios edilícios, constou a salutar autorização expressa para as assembleias por plataformas virtuais e, quando a opção fosse pela não realização pela compreensão de impossibilidade para tanto, os mandatos dos síndicos expirados foram prorrogados até o dia 30 de outubro de 2020.

Findo o prazo fixado, não há alternativa senão a realização de assembleia para eleição de síndico. E de forma presencial, mesmo diante dos riscos de contaminação pela COVID-19.

O presente artigo avalia as consequências jurídicas decorrentes da desatenção às medidas de preservação à saúde dos condôminos quando da realização de assembleias condominiais presenciais em momento no qual inexiste legislação amparando a prorrogação dos mandatos dos síndicos e a ferramenta com a qual será conferida segurança jurídica ao resultado das deliberações, mesmo se algum condômino apto ao voto seja impedido de acessar o local da assembleia e se é possível realização de assembleis virtuais ou híbridas diante do agravamento da crise sanitária.

Palavras-chave: condomínio edilício. assembleia. ata notarial. RJET. COVID.

Abstract

Law 14.010/2020, Emergency and Transitional Legal Regime for the period of the coronavirus pandemic, “RJET”, celebrated as necessary, did not bring full legal certainty before the late entry into force, although the prevalence of the right to health is extracted to the detriment of the property.

With regard to building condominiums, there was the salutary express authorization for assemblies by virtual platforms and, when the option was for the non-realization of impossibility to do so, the mandates of the expired liquidators were extended until October 30, 2020.

After the deadline, there is no alternative but the holding of a meeting for the election of liquidator. And in person, even in the face of the risks of contamination by COVID-19.

This article assesses the legal consequences arising from the inattention to measures to preserve the health of condominos when holding face-to-face condominium assemblies at a time when there is no legislation upholding the extension of the mandates of the liquidators and the tool with which legal certainty will be granted to the outcome of the deliberations, even if any voting-able condomino is prevented from accessing the place of the assembly.

Key words: building condominium. Assembly. notarial ata. RJET. COVID.

1 A vigência da Lei 14.010/2020 e o ato jurídico perfeito

Festejada por sua essencialidade frente os desafios trazidos pela crise pandêmica, a Lei 14.010/2020 trouxe desafios quanto aos efeitos de sua vigência.

Embora faça menção ao dia 20 de março de 2020 como o termo a quo da pandemia no país, a lei somente entrou em vigor em 12 de junho de 2020, com vetos.

Esses vetos foram parcialmente derrubados pelo Congresso Nacional, somente entrando em vigor no dia 08 de setembro de 2020.

Socorrer-se da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro[1] é essencial para compreender o momento em que se considera possível apontar soluções com base no RJET sem prejuízo ao ato jurídico perfeito[2].

A segurança jurídica é base para que a atividade econômica se desenvolva e embora os vetos não tenham afetado o direito condominial, não se pode negar que há insegurança jurídica quanto às assembleias gerais que deixaram de ser realizadas até o dia 12 de junho de 2020 e a Lei 14.010/2020 não pode ter efeitos retroativos para conferir legitimidade à prorrogação dos mandatos dos síndicos findos até essa data.

O texto legal[3] pôs fim ao debate sobre a validade das assembleias com adoção de plataformas tecnológicas, porém fixou como termo a quo dessa possibilidade o dia 30 de outubro de 2021, autorizando a prorrogação dos mandatos dos síndicos até essa data quando não fosse possível a realização de assembleias por meios virtuais.

Daí surgem duas ponderações sobre a possibilidade de após a data fixada as assembleias virtuais seriam vedadas e se seria autorizado ao síndico cujo mandato fora prorrogado por incapacidade de observação da assembleia virtual convocá-la por esse formato.

2 Da ponderação de valores jurídicos tutelados: proteção à saúde x gestão patrimonial

Quando submetidos às regras de sopesamento, os valores que traduzam proteção à vida sobrepujam aos valores patrimoniais, especialmente em cognição sumária[4].

O condomínio edilício, por seu turno, é figura tipicamente patrimonial, pois representa forma do exercício da propriedade, sendo a assembleia o formato pelo qual se delibera e aprova o modo de gestão do patrimônio comum aos condôminos[5].

A Lei 14.010/2020, denominada Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19), representa a prevalência dos direitos protetivos à vida e à saúde, dando por legítima a inércia no exercício de faculdades jurídicas patrimoniais em razão dos riscos decorrentes da crise sanitária.

Não se poderá negligenciar que, findo o prazo estabelecido no RJET, a proteção à vida e à saúde dos condôminos constituirá pressuposto de validade das assembleias de condomínio[6] por ser essa a hermenêutica constitucional do artigo 1.350, do Código Civil.

E não basta a adoção de medidas protetivas, pois, por si só, não representam segurança jurídica à prevalência das deliberações assembleares em caso de judicialização tendo por causa de pedir a vedação ao direito do exercício de voz e voto em razão dos riscos de contaminação pela COVID-19, ou, ainda, a prorrogação da convocação de assembleias condominiais sob o supedâneo de risco de contágio, embora comum a ambos os argumentos a prevalência do direito à vida e a garantia da incolumidade física.

Necessário, portanto, o exercício da cautela para impedir a prevalência de um ou de outro argumento contrário ao direito da coletividade no sentido de manutenção da imperiosa e salutar regra democrática das assembleias condominiais sem descuidar do direito à vida e proteção à saúde, mesmo naquelas reuniões convocadas por legitimados diversos do síndico ou determinadas por ordem judicial[7],

2.1 Função social da propriedade e proteção ao condômino

A assembleia de condomínio é o que mais se aproxima da Ágora, sendo os cidadãos de outrora os condôminos adimplentes a quem é assegurado o direito a voz e voto para deliberarem sobre questões que afetam seu dia a dia. A similitude com a democracia direta grega revela a importância das assembleias condominiais e, portanto, sua realização deverá sempre ser prestigiada e estimulada[8], mas os problemas de Estado são substituídos pelos problemas patrimoniais do microcosmos que é o condomínio.

No condomínio edilício a função social deve ser observada pelos proprietários não somente no que tange às partes exclusivas, mas também às partes comuns e, nesse esteio, devem prevalecer os interesses coletivos dos coproprietários em detrimento aos interesses particulares e individuais.

A essência da assembleia condominial é fazer preponderar o interesse coletivo, pois as deliberações são tomadas pelo voto da maioria presente[9] e serão soberanas enquanto obedecerem a lei e respeitarem os direitos dos condôminos[10].

Por tratar-se de patrimônio privado, há hipóteses nas quais o voto qualificado implica prevalência do interesse minoritário, mas até mesmo nessa hipótese se afirma o interesse coletivo porque deliberação anterior fixou essa fórmula na subscrição da minuta de convenção.

A preservação do direito à saúde sempre constituiu limitação ao uso da propriedade, como se depreende, exemplificativamente, da vedação de ruídos excessivos e outros fatores poluidores ao meio ambiente condominial.

No momento de enfrentamento da pandemia da COVID-19, à função social da propriedade foram acrescidos deveres de proteção à propagação do vírus, o que, nos condomínios edilícios, deu-se com o fechamento de áreas comuns e imposição de diversas restrições de circulação de pessoas[11].

Muitos foram os questionamentos sobre a indevida intervenção na propriedade privada, mas o entendimento dominante foi da validade das medidas que representassem limitações de uso em prol dos interesses da saúde da coletividade[12].

Com o afrouxamento das medidas de restrição pelas autoridades sanitárias, a vida condominial retomou oxigênio, mas isso não significa o retorno ao status quo ante crise pandêmica, tampouco o dia 30 de outubro de 2020 implicou erradicação da COVID-19, embora já não se sustente sob o aspecto jurídico deixar de realizar assembleias condominiais em formato presencial ou mesmo híbrido.

Soluções deverão ser encontradas para que o direito à saúde continue prevalecendo, sendo as medidas protetivas adotadas imperiosamente nas assembleias condominiais realizadas a partir de 30 de outubro de 2020.

Porém, muitos serão aqueles que questionarão os atos em si porque a crise sanitária se mantém hígida, presente e ainda mais letal. Consoante os interesses em jogo, certamente serão renovados os embates entre os que desejam a imediata convocação das assembleias condominiais presenciais e os que desejam ver o cenário sanitário equacionado para realizá-las.

Não se pode olvidar que nos condomínios edilícios cujos síndicos indicaram impossibilidade de assembleias virtuais se deu a prorrogação dos mandatos, o que não conta com o respaldo da legislação atualmente, o que justifica a preocupação com sua realização presencialmente.

Outro fator de preocupação é com os que simplesmente rejeitam as medidas de segurança indicadas pelas autoridades sanitárias e que comparecerão às assembleias desatendendo as regras de segurança fixadas pelas autoridades, implicando desconforto e insegurança nos presentes e, até mesmo, a suspensão da reunião, com prejuízos até ao condomínio, que terá gastos com nova convocação.

Portanto, necessário resguardar a validade e eficácia da reunião condominial presencial.

2.2 Assembleia virtual x assembleia presencial

O RJET pôs fim ao debate sobre possibilidades de realização de assembleias por meios tecnológicos, deixando ao arbítrio dos condôminos aferir a viabilidade e conveniência de sua realização, sem, contudo, pacificar o debate em razão do texto constar a autorização “em caráter emergencial”, o que, a contrário senso, faz presumir que seria vedada sua realização após 30 de outubro de 2020.

As assembleias virtuais traduzem sentimento comum de aceitação entre os que dela fazem uso e, sob o âmbito tecnológico, não há, após o início do período pandêmico, mudanças significativas que traduzam novidades ou dificuldades adicionais aos usuários se comparado às ferramentas disponíveis antes

Logo, se o condomínio não lançou mão dessa importante ferramenta é porque motivos outros existiram e que implicaram na prorrogação dos mandatos dos síndicos. E se não há mudança na base fática, acreditamos que não se mostra válida a convocação para assembleia exclusivamente virtual após o dia 30 de outubro de 2020 nos condomínios que optaram por não realizá-la, pois isso implicaria violação à boa-fé, fazendo incidir a figura da tu quoque que visa impedir “que o violador de uma norma pretenda valer-se posteriormente da mesma norma antes violada para exercer um direito ou pretensão”[13].

Assim, a assembleia condominial deverá ocorrer de modo presencial ou híbrido, isso é, com ambas as possibilidades de comparecimento, e, para tanto, todos os cuidados necessários à preservação da saúde dos condôminos devem ser adotados e sua desatenção implica afronta a dever ínsito aos que convocaram a assembleia condominial, pois a todos os condôminos adimplentes deve ser garantido o direito a voz e voto com atenção a outro primordial: o direito à saúde.

O questionamento, portanto, reside nas hipóteses de descumprimento do dever de adoção de medidas de prevenção, sendo pertinente investigar se isso seria capaz de macular a assembleia condominial presencial.

Num primeiro momento, importante desde logo mencionar que soaria contraditório defender o direito à vida e a realização das assembleis condominiais presenciais enquanto presente a crise pandêmica, inclusive com seu agravamento. A realidade vivenciada pela sociedade traduz a retomada das atividades presenciais com a adoção de restrições e medidas protetivas de contágio. É o novo normal com vistas à prevenção.

Num cenário ideal, as medidas de isolamento teriam sido implementadas de modo eficaz, com discurso uníssono das autoridades públicas que, claudicantes, quiçá omissas em ditar os rumos para o enfretamento da doença, nem sempre agem com base nas informações técnico-científicas. O fato é que as pessoas estão nas ruas, nos restaurantes, nos shoppings, em cinemas, shows e, portanto, seria fechar os olhos à realidade defender a não realização de assembleias de condomínio com a perpetuação dos mandatos dos síndicos, especialmente diante da inexistência de legislação amparando a prorrogação dos mandatos, como inexistiu amparo aos mandatos vencidos entre março e 12 de junho de 2020.

Portanto, com base no princípio da prevalência da realidade justifica-se a realização das assembleias condominiais presenciais quando impossível adotar-se outro formato.

A forma híbrida é aconselhável nessa hipótese de impossibilidade de realização de assembleias virtuais na vigência do RJET, autorizando aqueles que reúnem condições para participação remota exerçam seu direito a voz e voto, mas mantendo-se a premissa de impossibilidade de adoção do formato virtual, a assembleia presencial deve ocorrer, adotando-se as medidas protetivas de contágio.

A consequência da inobservância das medidas protetivas de contágio pela COVID-19, por sua vez, traduz mácula ao ato caso algum dos condôminos se sinta ameaçado em sua incolumidade física, pois isso implica vedação ao exercício do seu direito ao uso de voz e voto.

Por tratar-se de sensação subjetiva há riscos à segurança jurídica do ato e, por isso, medidas complementares às sanitárias devem ser adotadas nas assembleias condominiais presenciais, cuja realização deve primar pelos espaços abertos e ventilados, com adoção de distanciamento entre os presentes, uso de álcool gel, uso obrigatório de máscaras faciais, mesmo quando no uso da palavra, além de desaconselhar-se o compartilhamento de canetas e outros objetos[14].

3 A ata notarial

A Ata Notarial ganhou notoriedade através do CPC/2015[15], mas a Lei 8.935/94, chamada de Lei dos Cartórios, já a previa, embora seja

tão antiga quanto a própria função notarial. Doutrinadores apontam para o fato de que, no Brasil, a primeira ata notarial lavrada consistiu na carta de Pero Vaz de Caminha, lavrada no ano de 1500. Em Portugal, a ata mais antiga de que se tem notícia data de meados de 1342. Na Espanha, regulamento datado de 1862 contemplou a figura da ata notarial[16].

Por tratar-se de Escritura Pública, a Ata Notarial, lavrada por Tabelião de Notas, é documento “dotado de fé pública, fazendo prova plena”[17] “não só da sua formação, mas também dos fatos que (…) o tabelião ou o servidor declarar que ocorreram em sua presença”[18], sendo que

o notário deverá previamente averiguar a intenção do cliente quanto às razões e os motivos pelos quais o mesmo quer a elaboração de uma ata notarial, sendo seu dever assessorar e aconselhar este requerente, esclarecendo se a ata notarial cumprirá com sua função naquela hipótese solicitada[19].

É competente para a lavratura da Escritura de Ata Notarial o tabelião de notas no município da realização do ato. Em municípios contendo mais de um Cartório de Notas, qualquer dos notários possui competência para lavrar a Escritura de Ata Notarial.

À ata notarial aplica-se o Princípio da Rogação, isso é, ao notário é vedada atuação de ofício, sendo importante destacar que a solicitação para realização da ata notarial deve ser prévia, possível, delimitada e lícita, “o que não se confunde com o objeto da ata notarial – que pode ser um fato lícito ou ilício”[20].

4 Assembleia condominial objeto de ata notarial

Partindo-se da premissa de obrigatoriedade de adoção de medidas sanitárias protetivas eficazes para a preservação da saúde das pessoas enquanto latente o risco de contágio pela COVID-19 como pressuposto de validade das assembleias condominiais presenciais, caberá adoção de instrumentos aptos à garantia de maior segurança jurídica às decisões democráticas e a ferramenta que melhor se adapta a esse fim é a ata notarial.

Ao notário caberá a materialização daquilo que perceber no local de realização da assembleia, como, exemplificativamente, se no local possui circulação de ar natural, se foi observado o distanciamento entre os presentes e se esses usavam máscaras e demais equipamentos de preservação de contágio, bem como todas as demais características perceptíveis aos sentidos.

Não se pode ignorar que ao notário cabe a preservação da própria saúde, razão pela qual esse poderá, inclusive, negar-se a acompanhar a íntegra da assembleia, registrando as razões pelas quais reputou riscos à sua saúde.

Por seu turno, à solicitação destinada ao notário deve conter concretamente os fatos de interesse do requerente da ata notarial, isso é, as características do local de realização da assembleia, se possui ventilação natural, a observação do uso de máscaras faciais e distanciamento entre os presentes, inclusive no momento de uso do direito de fala, medição de temperatura dos condôminos e disponibilização de álcool em gel previamente ao ingresso no local, enfim, tudo aquilo perceptível como consoante as orientações das autoridades como ferramentas de prevenção do contágio.

Sugere-se, inclusive, que nos editais de convocação das assembleias presenciais conste expressamente a obrigatoriedade do uso de máscaras faciais durante toda a assembleia e uso de álcool em gel antes do ingresso no local da assembleia, o que será vedado aos que estejam com febre ou demais sintomas de gripe. Tudo deve constar da escritura de ata notarial, especialmente os impedimentos de acesso ao local da assembleia e o motivo para tanto.

Da mesma forma, caso condôminos ingressem no local de assembleia em desatenção às regras protetivas e traduzam riscos aos demais presentes, isso deverá ser registrado em ata, pois não é legítimo impor a qualquer pessoa a manutenção em local no qual sua incolumidade esteja sob risco.

Ao presidente da assembleia caberá, inclusive, o dever de suspensão do ato caso algum dos presentes implique risco aos demais e, nessa hipótese, a ata notarial servirá como instrumento para ressarcimento das despesas do condomínio caso seja necessária nova convocação.

O teor das atas notariais, portanto, servirá como ferramenta apta a conferir legitimidade à assembleia condominial ou sepultar-lhe a validade pela desatenção às regras protetivas que traduzem a leitura constitucional do artigo 1.350, do Código Civil.

Flávio Tartuce, dando eco ao Enunciado 158, da III Jornada de Direito Civil do CJF/STJ[21], traz críticas à expressão prova plena utilizada no artigo 405, do Código Civil, por considerá-la nem tão plena, “pois traz uma presunção relativa (iuris tantum) e não absoluta (iure et de iure)[22], o que não desnatura a importância da ata notarial, que objetiva a pré-constituição de prova, isto é, tem por finalidade a constatação da “existência ou estado das coisas, pessoas ou outros objetos, com a presunção de veracidade típica dos documentos públicos”[23], seja em ambientes internos quanto externos à serventia ou, ainda, em ambiente virtual, impondo a quem almejar desconstituí-la carga probatória suficiente à sua desconstituição.

Voz abalizada na temática Condomínio Edilício, Luiz Antonio Scavone Júnior[24] afirma considerar as assembleias condominiais atos jurídicos[25], “sujeitas à anulação nos termos dos arts. 166 e 171 do Código Civil”, desde que demonstrado o prejuízo por aquele que pleitear a gravosa consequência, mantendo-se as partes da assembleia que sejam reputadas válidas, na forma do artigo 184, do Código Civil.

Ao condômino apto a participar da assembleia devem ser garantidos voz e voto, exercidos em consonância aos demais direitos constitucionalmente previstos; caso demonstrado o prejuízo do exercício desse direito, surge a hipótese de anulabilidade do ato.

Conclusão

O fim do prazo de prorrogação dos mandatos dos síndicos, fixado pela Lei 14.010/2020 em 30.10.2020, e a retomada das atividades sociais traduziram o dever de convocação de assembleias condominiais presenciais para eleições e deliberações sobre orçamento nos condomínios em que não foram realizadas assembleias virtuais.

Efetivamente os síndicos que tiveram seu mandato prorrogado sob o pálio de reputarem impossível realizar assembleia virtual não podem convocar atos nesse modelo exclusivamente tecnológico, pois isso encerraria burla à boa-fé, fazendo incidir o denominado tu quoque.

As assembleias condominiais presenciais ou híbridas devem observar as medidas de preservação à saúde dos presentes como instrumento de garantir o pleno exercício de voz e voto pelos condôminos, sendo que sua desatenção poderá invalidar o ato caso algum dos condôminos aptos à votação reputem existir riscos à sua participação pelo perigo iminente de contágio pela COVID-19.

Não poderá ser arguida a invalidade do ato assemblear pelo condômino que deliberadamente burlar as medidas protetivas por traduzir afronta à boa-fé, que igualmente deve ser observada pelos síndicos cujos mandatos foram prorrogados pela impossibilidade de realização de assembleias virtuais.

Daí a importância da lavratura de ata notarial para que as questões fáticas sejam registradas com a percepção da existência ou inexistência de medidas de preservação à saúde quando da realização da reunião democrática, sendo prova pré-constituída que traduz possibilidades de obtenção de tutelas de urgência para a hipótese de prejuízos ao condômino ou, de outro lado, evitar-lhes a ocorrência, conferindo eficácia à assembleia condominial.

Referências Bibliográficas

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[1] Art. 1° Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada. § 4º – As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.

[2] Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

[3] Art. 12. A assembleia condominial, inclusive para os fins dos arts. 1.349 e 1.350 do Código Civil, e a respectiva votação poderão ocorrer, em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, por meios virtuais, caso em que a manifestação de vontade de cada condômino será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial.

Parágrafo único. Não sendo possível a realização de assembleia condominial na forma prevista no caput , os mandatos de síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020 ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020.

Art. 13. É obrigatória, sob pena de destituição do síndico, a prestação de contas regular de seus atos de administração

[4] AgInt no AREsp 1353002 SC AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2018/0219751-0 – Relator(a) Ministro RAUL ARAÚJO (1143) Órgão Julgador T4 Quarta Turma. J. 25/06/2019 DJe 01/07/2019.

[5] Código Civil. Art. 1.350. Convocará o síndico, anualmente, reunião da assembleia dos condôminos, na forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno.

[6] DINIZ, Antonio Carlos de Almeida.Teoria da legitimidade do direito e do estado: uma abordagem moderna e pós-moderna – São Paulo: Landy Editora, 2006, fl.139

[7] Art. 1.350. Convocará o síndico, anualmente, reunião da assembleia dos condôminos, na forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno.

  • 1° Se o síndico não convocar a assembleia, um quarto dos condôminos poderá fazê-lo.
  • 2° Se a assembleia não se reunir, o juiz decidirá, a requerimento de qualquer condômino.

[8] AFFONSO, Fabio Martins. A Governança Corporativa nos Condomínios Edilícios. Disponível em https://ibradim.org.br/a-governanca-corporativa-nos-condominios-edilicios/, acesso em 06 out. 2020.

[9] Para CHALUB, Melhim Namem. A função social da propriedade, Disponível em www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista24/revista24_305.pdf acesso em 06.10.2020, “a função social da propriedade corresponde a um poder-dever do proprietário, na medida em que, de uma parte, é reconhecida a faculdade do sujeito ativo de exigir a abstenção dos sujeitos passivos e, de outra parte, se impõe ao titular da propriedade, na condição passiva de adimplemento, o dever de utilizar a propriedade de acordo com o interesse coletivo”.

[10] FRANCO, João Nascimento. Condomínio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 66.

[11] BRITO, Rodrigo Toscano de; e GOMIDE, Alexandre Junqueira. O Impacto do Coronavírus nos Condomínios Edilícios e Limitações ao Direito de Uso da Propriedade. Disponível em https://migalhas.uol.com.br/coluna/migalhas-edilicias/322683/o-impacto-do-coronavirus-nos-condominios-edilicios–assembleias-e-limitacoes-ao-direito-de-uso-a-propriedade, acesso em 26 out. 2020.

[12] https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=64806&pagina=1

[13] MOTA, Maurício; KLOH, Gustavo (Orgs.). Transformações contemporâneas do direito das obrigações. Rio de Janeiro. Elsevier, 2011, p. 209.

[14] Os professores Rodrigo Toscano de Brito e Alexandre Junqueira Gomide abordaram, em 19.03.2020, a questão sobre os impactos da COVID-19 na seara condominial, sendo as orientações aqui contidas similares às por eles indicadas, com exceção da postergação dos temas que naquele momento poderiam ser postergados, pois se vão mais de sete meses daquelas importantes orientações no início da pandemia. https://migalhas.uol.com.br/coluna/migalhas-edilicias/322683/o-impacto-do-coronavirus-nos-condominios-edilicios–assembleias-e-limitacoes-ao-direito-de-uso-a-propriedade, acesso em 26 out. 2020.

[15] Código de Processo Civil. Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.

Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.

[16] FOLLE, Francis Perondi. O valor probatório da ata notarial. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2014. p.11-12.

[17] Código Civil, artigo 215.

[18] Código de Processo Civil, artigo 405.

[19] Decisão proferida nos autos do Processo 2007-173517, Reclamação apresentada à Corregedoria-Geral da Justiça do TJRJ, em que o desembargador Luiz Zveiter acolheu o Parecer SN28/2008, proferido pelo juiz Fabio Porto, auxiliar da Corregedoria. Disponível em
webfarm.tjrj.jus.br/biblioteca/asp/textos_main.asp?codigo=133144&desc=ti&servidor=1&iBanner=&iIdioma=0, acesso em 26 out. 2020.

[20] LOUREIRO, Luís Guilherme. Registros Públicos: teoria e prática. 10 ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 1.326.

[21] https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornadas-cej/EnunciadosAprovados-Jornadas-1345.pdf

[22] TARTUCE, Flávio. O novo CPC e o Direito Civil: Impactos, diálogos e interações. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método; 2015. p. 183-184.

[23] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Org.). Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 664.

[24] SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. Direito Imobiliário: Teoria e Prática. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 787.

[25] Em conversas informais e pessoais com expoentes do Direito Civil e Imobiliário (André Roberto de Souza Machado, André Luiz Junqueira, Fabio da Oliveira Azevedo e José Ricardo Pereira Lira), todos com abalizados currículos e integrantes do IBRADIM, a assembleia condominial foi classificada como negócio jurídico, embora por todos seja registrada a maior necessidade de reflexões mais detidas sobre o tema.